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Marina Prete Faccio

O Lugar Social da Criança: Da Antiguidade à Contemporaneidade

**Sobre a autora: Marina é estudante de Psicologia, tem 23 anos e mora em Piracicaba. Seus interesses são diversos, mas principalmente aqueles que contemplam a própria Psicologia, manifestações artísticas e espiritualidade.


Sabe-se que, a infância, enquanto uma construção social, caracteriza-se por constituir um importante período do desenvolvimento humano, no qual atribuíram-se, ao longo da história, rótulos, estigmas[1], desígnios[2] e ideários[3] sociais, responsáveis por compor a concepção do que, hoje, entendemos, aceitamos e discutimos acerca do imaginário coletivo que permeia as crianças. Sendo assim, atualmente, embora em menor escala, permanece a ideia de que elas são indivíduos em construção, ou seja, de que ainda não se tornaram o que deveriam, porque estão imersas nessa idealização do “vir a ser”. No entanto, é importante contextualizar e pontuar que, antigamente, a visão que se tinha da infância era ainda mais inferiorizada, pois acreditava-se que eram apenas pequenos adultos, cujas funções eram semelhantes às dos pais e cuidadores (ANDRADE, 1998).

Fonte: https://madinbrasil.org/2020/10/as-transformacoes-da-infancia-o-lugar-social-da-crianca-e-a-medicalizacao/

Nesse sentido, a infância, durante muito tempo da história, foi desvalorizada e subjugada, já que, na Idade Média, por exemplo, “a criança era, portanto, diferente do homem, mas apenas no tamanho e na força, enquanto as outras características permaneciam iguais” (ARIÈS, 1981, p.14, apud ANDRADE, 1998). Logo, cabia a elas trabalhar, ajudar nos afazeres cotidianos e executar as mesmas tarefas que os adultos. Por conseguinte, com o passar do tempo, somado ao advento do período da Renascença, os primeiros indícios de uma delimitação entre a infância e a fase adulta começam a emergir, em decorrência do início do processo de escolarização das crianças. Assim sendo, a partir do século XVIII, houve uma mudança significativa na forma que eram vistas e tratadas pela sociedade, instaurando, de maneira definitiva, o conceito de infância, período digno de atenção e orientação (ANDRADE, 1998).


Para tanto, inicia-se, então, um novo momento histórico sobre a visão social acerca da criança, a qual passou a ser colocada, pela primeira vez, em um lugar de importância e relevância, principalmente por meio do processo de escolarização, a fim de que se pudesse proporcionar, a estes pequenos indivíduos, um crescimento digno e saudável por meio do convívio com outras crianças, do desenvolvimento cognitivo e do contato com o sistema educacional, visando fazer com que se tornassem adultos capacitados, adaptados e produtivos (ANDRADE, 1998). Dessa forma, a educação deixa de ser apenas uma preocupação dos pais e familiares e passa a ser, também, um dever do Estado e da sociedade, à medida que “a aprendizagem tradicional foi substituída pela escola, uma escola transformada, instrumento de disciplina severa, protegida pela justiça e pela política” (ARIÈS, 1988, p. 277, apud ANDRADE, 1998).


Nesse contexto, haja vista a notória evolução na concepção do que se entendia por infância, as crianças, ainda assim, permaneceram em um limbo, já que não eram mais tidas como sujeitos invisíveis, mas também não eram indivíduos suficientemente prontos e constituídos. Em outras palavras, “passou-se a admitir que a criança não estava madura para a vida, e que era preciso submetê-la a um regime especial, a uma espécie de quarentena antes de deixá-la unir-se aos adultos” (ARIÈS, 1988, p. 277, apud ANDRADE, 1998). Assim sendo, esta “moratória[4] infantil”, estado este em que são colocadas até os dias de hoje, é a grande responsável por fazer com que a infância seja objeto de domínio e idealização dos adultos, fazendo com que ocupem uma posição de inferioridade na hierarquia social, bem como com que tenham seus desejos, processos e potencialidades subestimados e submetidos às aspirações do ideário coletivo dos pais, tutores, professores e do próprio Estado (ANDRADE, 1998).


Desse modo, as questões levantadas acerca da infância permeiam, de uma forma ou de outra, todas as esferas da sociedade, e nisso incluem-se “as teorias psicológicas, pedagógicas, educacionais, entre outras, que subsidiam[5] as políticas, projetos e ações governamentais em nossas sociedades ocidentais” (VILHENA, 1992, apud ANDRADE, 1998). Logo, ao insistirmos em manter, explícita ou implicitamente, a criança neste lugar de subordinação[6] e de invalidação, criamos um movimento que a torna impotente, inerte e incapaz perante sua própria história, à medida que “ao negarmos à criança o direito de se pronunciar enquanto sujeito, despotencializando-a de qualquer ação, dificultamos a emergência de transformações importantes que podem advir de sua participação no processo psicossocial” (ANDRADE, 1998).


Além disso, faz-se necessário salientar que a problemática que envolve estas discussões é extremamente complexa, já que se trata de uma cultura que naturaliza a condição de impotência que estão submetidas, fazendo com que sejam vistas enquanto “vítimas inocentes e indefesas de forças que elas não entendem e sobre as quais não têm a menor influência” (QVORTRUP, 1992, apud ANDRADE, 1998). Portanto, “o desconhecimento das potencialidades sociais infantis – uma vez que estas nunca foram devidamente investigadas – gera uma ambiguidade[7] e confusão sobre a competência da criança para exercer seus direitos com independência” (FIGUEIRA, 1992, apud ANDRADE, 1998). Em suma, pode-se afirmar que é preciso parar de olhar as crianças com “olhos adultos” e permitir que sejam protagonistas de suas próprias subjetividades, pois “o mundo da criança não está ainda sedimentado nas verdades eternizadas do mundo adulto” (ANDRADE, 1998).


Ademais, de acordo com Andrade (1998), as teorias psicológicas são também responsáveis por defender a concepção de que a infância é apenas uma das partes do processo que o indivíduo passa para se tornar um adulto, ou seja, é como se ela fosse uma espécie de “banho-maria” encarregada de transformar a incapacidade em capacidade, a imaturidade em maturidade e a inabilidade em habilidade. Dessa forma, acabamos por entender e categorizar as crianças coletivamente, quando, na verdade, deveríamos conceber cada uma em sua essência, que é única, individual e absolutamente subjetiva. Contudo, ainda hoje é difícil fazê-lo, ao passo que “existe pouca distância entre a proteção à criança por parte da sociedade e a proteção da sociedade contra a criança” (ANDRADE, 1998).


Sendo assim, conclui-se que seu lugar social na contemporaneidade é o mesmo que o dos adultos, já que elas são, assim como eles, indivíduos completos, únicos, suficientes e capazes, cujas particularidades, individualidades e potencialidades não podem, sob nenhuma hipótese, serem questionadas, desmerecidas ou invalidadas. Ademais, é preciso que, cada vez mais, os adultos se espelhem na espontaneidade das crianças e que, cada vez menos, as crianças sejam diminuídas e inferiorizadas para caberem no mundo dos adultos. Portanto, “a criança não se constitui no amanhã: ela é hoje, no seu presente, um ser que participa da construção da história e da cultura de seu tempo” (JOBIM; SOUZA, 1994, p. 159, apud ANDRADE, 1998).


[1] Condição duradoura, estado ou atributo que é negativamente valorizado por uma sociedade e cuja posse traz, consequentemente, descrédito e desvantagens a um indivíduo.

[2] Ideia de realizar algo; intenção, propósito, vontade.

[3] Conjunto das ideias principais de um autor, de uma doutrina, movimento ou partido.

[4] Para a Psicologia, corresponde ao período em que a pessoa integra os conhecimentos e experiências para, por fim, comprometer-se com algum deles.

[5] Dar subsídio a; subvencionar, financiar.

[6] Ordem estabelecida entre as pessoas e segundo a qual umas dependem das outras, das quais recebem ordens ou incumbências.

[7] Característica do que possui ou expressa mais de um sentido possível.



Referências bibliográficas

ANDRADE, Angela. A criança na sociedade contemporânea: do ‘ainda não’ ao cidadão em exercício. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 11, n. Psicol. Reflex. Crit., 1998 11(1), p. 161-174, 1998. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/prc/a/t68s6wJd3CT3Bvg74QMDMtC/?lang=pt>. Acesso em: 16 de mar. 2023.



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