A cantora neozelandesa Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, conhecida também por seu nome artístico “Lorde”, compôs seu segundo e genioso álbum em meio ao seu amadurecimento - a saída da adolescência e a boas vindas ao mundo adulto, com a presença já obrigatória da responsabilidade e, também, de um certo desencantamento que caminha junto de um sentimento melodramático em relação ao mundo e às interações sociais.
Melodrama (2017) é um álbum que explora as fragilidades da existência humana, que é repleta de sensacionalismos, cansaço emocional e martírios que caminham junto da passagem para a vida adulta. Há também uma expressa declaração de sua passagem por uma relação amorosa, na qual a cantora descreve tanto o começo de um relacionamento como seu fim, este que é envolto pelo sentimento de luto amoroso e, também, sua declaração de que a geração a que ela pertence é a que menos ama. O álbum é, sobretudo, a junção desses sentimentos, por isto o nome: Melodrama.
Para prosseguir desvendando a genialidade do álbum da cantora, é preciso entender um pouco mais sobre o que é o melodrama e como ele se propagou nas artes. A palavra é originária do francês “mélodrame” e, etimologicamente, é formada pelos termos “melos” (grego), que significa som, e “drame” (latim), que significa drama. Com a Revolução Inglesa do século XVII [1] (século 17, durou desde 1601 a 1700 no Calendário Gregoriano), a monarquia encontrava-se severamente limitada, o que a fez ceder a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento, instaurando assim, o regime parlamentarista [2], que encontra-se em vigor até hoje no cenário político inglês. Dentro desse contexto, surgiu uma estética denominada “drama Burguês”, que antecede o termo “Melodrama”. Na época, os comerciantes enriquecidos pela ascensão do novo modelo comercial e econômico, além da decadência do modelo absolutista, começaram a imitar a aristocracia e, com isso, passaram a financiar uma arte que os representassem. Isso fez com que surgissem peças teatrais e outras manifestações artísticas que representavam os valores da nova classe em ascensão. Foi então que, em uma peça denominada “O Mercador de Londres” de Lillo (1732), que aborda o assassinado, o amor e a vida cotidiana, que o melodrama expõe seus primeiros tons.
Já no século XVIII, o melodrama se concretiza como um gênero teatral - ainda em desenvolvimento - que influencia as artes dramáticas até os dias atuais. Esse gênero tem como características a utilização de música e ação dramática (diálogos falados), porém, ele se diferencia da ópera, uma vez que utiliza a música de maneira incidental para expressar a carga emocional das personagens e suas situações imersivas. Ao decorrer dos séculos, outras características são incrementadas ao melodrama. No século XIV, por exemplo, a prosa ganha autonomia e conta com uma linguagem popular recheada de mistério, sentimentalismo, suspense e outras formas de sofrimento e alegria do cidadão comum; o proletário. É com essas características que o melodrama se infiltra dentro dos setores audiovisuais como cinema, telenovelas, seriados e, como representado neste artigo, um álbum musical. Vale lembrar que grandes nomes do melodrama são: René-Charles Guilbert de Pixérécourt (1773-1844), Thomas Holcroft (1745-1809), August Friederich Von Kotzebue (1761-1819), Dion Boucicault (1822-1890).
Agora, de volta ao álbum, o melodrama se faz presente até na sinestesia [3] apontada na capa com a mescla/por meio da mescla de cores quentes e frias. Há, também, uma introspecção que é perpassada em todas as músicas; o próprio eu-lírico está conectado a uma melancolia hiperbólica que não conseguiu se dissipar durante o término do relacionamento que é representado pelo álbum em alguma das faixas. Na 6º faixa do álbum, Hard Feelings/Loveless, por exemplo, tem-se uma produção musical aguçada que torna-se amplificada por espécies de pontadas sonoras, representando o desamparo deixado pelo rompimento da relação - influência da pantomima, do dizer por não dizer, mas significar por vias não verbais, evocando o teatro melodramático do século XVIII e XIX em uma encantadora produção musical. Outra faixa interessante é a 5ª, denominada “Liability”. Ela evoca, na composição, a verbalização de uma cena muito comum nos melodramas do cinema: o aparecimento do pôr do sol como algo que queima e carrega o exagero das emoções.
Verso da música Hard Feelings/Loveless:
“But I still remember everything / How we’d drift buying groceries, how you’d dance for me / I’ll start letting go of little things / ‘Til I’m so far away from you, far away from you”.
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"Mas ainda me lembro de tudo/ Como nos distraíamos fazendo compras, como você dançava para mim/ Vou começar a esquecer de pequenas coisas/ Até que eu esteja bem longe de você, muito longe de você".
Verso da música Liability:
“they're gonna watch me disappear into the Sun”
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"eles vão me ver desaparecer dentro do Sol".
[1] Revolução Inglesa do século XVII: denominada Revolução Gloriosa, de 1688, que pôs fim ao absolutismo, consolidando a supremacia do Parlamento sobre a autoridade real.
[2] Regime parlamentarista: é um sistema de governo democrático, em que o poder executivo baseia a sua legitimidade democrática a partir do poder legislativo; os poderes executivo e legislativo são, portanto, interligados neste sistema de governo.
[3] Sinestesia: cruzamento de sensações.
Referências bibliográficas
VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. Porto Alegre: L&PM, 2001.
LORDE. Melodrama. Nova Zelândia: Universal Music New Zealand Limited, 2017. (40 min.).
SINGER, Ben. “Meanings of melodrama”, Melodrama and modernity, New York, Columbia University Press, 2001. capítulo 2 (pp.37-58) de
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