Historicamente, podemos observar os papéis sociais destinados ao homem e à mulher na maioria das civilizações, considerando que o patriarcado¹ já estava presente na maioria delas.
“Entre os gregos é que encontramos, com toda a sua severidade, a nova forma de família. Enquanto a posição das deusas na mitologia, como observa Marx, nos fala de um período anterior, em que as mulheres ocupavam uma posição mais livre e de maior consideração, nos tempos dos heróis já encontramos a mulher humilhada pelo domínio do homem e pela concorrência das escravas. Leia-se na Odisseia, como Telêmaco interrompe sua mãe e a manda calar-se. Em Homero, os vencedores aplacam seus apetites sexuais das jovens capturadas. Os comandantes seguindo a ordem hierárquica, escolhem para si as mais lindas. E é sabido que toda a Ilíada gira em torno de uma disputa entre Aquiles e Agamenon por causa de uma escrava.” (ENGELS, 1884).
Sendo assim, cabia à mulher os cuidados do lar e da família e ao homem, o espaço de tomada de decisões da vida pública e familiar. Não obstante, ao decorrer da história, vemos a possibilidade de expansão da mulher enquanto sujeito político, seja em virtude dos interesses burgueses a fim de expandir a mão de obra, seja pelo principal fator, como iremos abordar aqui: o protagonismo das mulheres nos movimentos sufragistas.
“As democracias implementadas após as revoluções liberais pregavam o sufrágio universal, que, no entanto, era aplicável somente a poucos homens brancos. Foram necessárias décadas de lutas e articulações para que, aos poucos, as barreiras impostas ao direito ao sufrágio (etnia, renda, sexo) fossem sendo quebradas.” (CHAVES SANTOS, Luiza, 2017).
Por conta do sistema patriarcal em seu conjunto de práticas sexistas, o voto feminino foi negado por muitos anos no início das democracias. O domínio era masculino, pois defendia-se a ideia de que as mulheres eram incapazes de votar ou de estarem no meio político e, por isso, havia a necessidade de um movimento sufragista.
As formas de organização dessas mulheres ao redor do mundo e no nosso país eram diferentes, tendo em vista que no continente europeu havia o uso da violência como forma de enfrentamento, e no Brasil, seguia-se uma linha mais pacífica e conciliadora para conquistarem seus direitos. A organização do movimento e divulgação de ideias se davam principalmente pela publicação das ações e reflexões das sufragistas em jornais e revistas voltados para o público feminino. Isso tinha o objetivo de aumentar a influência e a disseminação dos ideais feministas, além de pressionar os políticos em relação à luta pelo direito ao voto.
Não obstante, essas iniciativas atingiam principalmente a elite brasileira, tendo em vista que essa era a classe social, a qual tinha acesso às leituras. Também é importante pontuar que o movimento sufragista não era tão inclusivo assim, pois sendo as mulheres brancas e da elite política e intelectual brasileira as protagonistas, reivindicando pautas próprias de sua classe, como o direito ao trabalho, não consideravam o fato de que as mulheres pobres e negras estavam historicamente inseridas em um contexto de exploração do trabalho.
“[...] ainda no século XIX, já evidencia um dilema que o feminismo hegemônico viria a enfrentar: a universalização da categoria mulher. Esse debate de se perceber as várias possibilidades de ser mulher, ou seja, do feminismo abdicar da estrutura universal ao se falar de mulher e levar em conta outras intersecções, como raça, orientação sexual, identidade de gênero, foi atribuído mais fortemente à terceira onda do feminismo, sendo Judith Butler um dos grandes nomes.” (RIBEIRO, Djamila, 2017, pg. 14).
No Brasil, o voto feminino deixou de ser proibido em 1932 como parte das reformas eleitorais formuladas na Era Vargas, entretanto as mulheres só poderiam votar caso fossem autorizadas por seus maridos. Isso ainda reproduzia o estado de discriminação política, no qual a mulher estava inserida. Foi somente em 1965 que se decretou a universalização do voto obrigatório, o qual incluía todas as mulheres.
Anteriores à esta oficialização, vemos diversos nomes importantes, tais como o de Celina Guimarães Viana, professora pela Escola Normal de Natal, que conseguiu, em 1928, autorização na justiça para votar, achando uma ‘brecha’ no código da política eleitoral de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Também no Rio Grande do Norte, temos Alzira Soriano, que foi a primeira prefeita eleita da cidade de Lajes em 1929, se tornando assim a primeira mulher a ocupar um cargo político no Brasil.
Hoje em dia a participação da mulher em espaços de poder ainda é baixa, embora podemos ver um avanço significativo nas últimas décadas. O deputado Chico Alencar (PSOL) justifica esse baixo percentual como: “uma sequela de uma estrutura patriarcal e machista que transborda do ambiente familiar para as relações sociais e instâncias do poder público”.
[1] ¹patriarcado: O debate feminista sobre patriarcado coloca, no centro da discussão, o poder do homem sobre a mulher existente também nas sociedades capitalistas contemporâneas. Nos sistemas patriarcais, as mulheres estão em patamar de desigualdade tendo uma série de obrigações em relação aos homens, tais como manter relações conjugais mesmo contra sua vontade, além de um grande controle sobre sua sexualidade e sua vida reprodutiva (AGUIAR, 2015).
Referências:
LIMONGI, Fernando; OLIVEIRA, Juliana de Souza; SCHMITT, Stefanie Tomé. Sufrágio universal, mas... só para homens. O voto feminino no Brasil. Revista de Sociologia e Política. 2019.
MENUCI, J. M. Movimento Sufragista e a Conquista do Voto Feminino no Brasil. 2018
NOREMBERG, Alessandra; ANTONELLO, I. P. A Trajetória Feminina na Política Brasileira 2016.
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência. 2011.
SANTOS, L. C. Sufrágio Feminino e Democracia no Brasil. 2017. RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. 2017.
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.
Editora Lafonte, 2017.
https://pesquisaescolar.fundaj.gov.br/pt-br/artigo/celina-guimaraes-viana/ Acesso em 22/08/2022
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