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Amanda Marcondes

O Papel do Cinema em Regimes Totalitários

Comparado a outras artes, como a pintura e música, o cinema pode ser considerado um tanto quanto jovem. O primeiro registro audiovisual é de 1895, quando os irmãos Louis e Auguste Lumière projetaram um curta-metragem em um café na cidade de Paris. Desde então, essa arte cresceu e se espalhou pelo mundo. Ela foi influenciada por diferentes nações que marcaram e caracterizaram as diversas eras cinematográficas como o Expressionismo Alemão, o Experimentalismo Soviético, o Neo-Realismo Italiano, entre outros.


Sendo assim, podemos dizer que o papel do cinema e como ele é visto mudou com o passar do tempo. Discussões atuais debatem se o cinema deixou seu papel de arte para se tornar um produto comercial de entretenimento ou se a arte é algo que pode coexistir em ambas as situações. Quando se trata de arte, sabemos que não existe uma resposta final ou correta, porém podemos concordar que o cinema viveu um período de trevas na era moderna,sobretudo durante a onda de governos totalitários e autoritários que esteve presente durante o século XX, tanto no continente Europeu quanto na América Latina.


Mas antes de começar essa discussão é importante esclarecermos os conceitos de totalitarismo e autoritarismo.


Qual é a diferença?


É comum pensar nessas palavras como sinônimos, porém é importante entender que elas foram usadas por diferentes sociedades no decorrer da história. Enquanto o totalitarismo foi usado para descrever os regimes fascistas que ocorreram na Europa, o autoritarismo foi utilizado para descrever as ditaduras que aconteceram em grande parte na América Latina. Contudo, ambos termos são usados para descrever traços comuns: a concentração excessiva do poder político nas mãos de um pequeno grupo ou de uma pessoa, assim como o exercício arbitrário, violento e injusto dessa força.


Mas qual é a relação entre o cinema e esse tipo de governo?

Na primeira metade do século XX, mais precisamente entre as décadas de 1920 e 1940, a propaganda política se tornou uma das maiores ferramentas dos governos totalitários para promover o controle e influenciar psicologicamente as massas. Nesse cenário, o cinema ganhou destaque como um dos principais meios para essas campanhas presentes nos chamados cinejornais[1], exibidos antes do início de um filme e que continham um intenso teor ideológico.


Os filmes reforçavam os ideais pregados por esses regimes: o poder militar e bélico italiano em Squadrone Bianco (1936), o nacionalismo alemão e a superioridade ariana em Eu Acuso! (1941), o anticomunismo e a exaltação do Estado Novo portugues em A Revolução de Maio (1938) e, a nação e conquistas heróicas espanholas em Escuadrilla (1941). As obras que não seguissem esses padrões cinematográficos eram censuradas e muitas deixavam de receber qualquer apoio financeiro para sua produção e distribuição. Isso levou muitos artistas a deixarem seus países em busca de liberdade, não só para suas obras, mas para si mesmos. Todavia, é preciso ressaltar que o uso do cinema como propaganda política, apesar de ter sido usado mais intensamente durante regimes totalitários, não fica restrito a eles.


Colagem feita por autoria própria com imagens do IMDB - Internet Movie Database

EUA e a Propaganda do Excepcionalismo Americano


Franklin Delano Roosevelt foi o trigésimo segundo presidente dos Estados Unidos, o início de seu mandato foi no ano de 1933 e se estendeu até 1945. Roosevelt é um dos presidentes mais populares da história americana, tendo sido reeleito três vezes. Foi durante seu governo que o New Deal[2] e o Ato de Segurança Social[3] foram implantados, além dele, é claro, comandar o país durante a 2ª Guerra Mundial.


Apesar de democrático liberal, seu governo também contou com as mesmas táticas popularizadas pelos inimigos dos Aliados[4], ao utilizar o cinema como instrumento para influenciar a opinião pública, exaltando o exército e as conquistas militares do país.

Colagem feita por autoria própria com imagens do IMDB - Internet Movie Database

No início da segunda guerra, os norte-americanos já haviam se estabelecido fortemente no ramo cinematográfico, Hollywood vivia seus anos dourados com produções de sucesso como Casablanca (1942) e E O Vento Levou (1939), enquanto contavam com seu próprio sistema de censura (apesar de menos rigorosa) na forma do Código Hays[5], que foi estabelecido em 1930 e seguiu vigente até 1968.


A Vida Imita a Arte ou a Arte Imita a Vida?


O filósofo Aristóteles já dizia que a arte imitava a vida, e séculos depois o escritor Oscar Wilde veio refutar esse pensamento e afirmava que a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida. Como dito no início deste texto, encontrar uma resposta certa quando se trata de arte não é uma tarefa nada fácil, e, talvez, nem mesmo possível. Porém é essencial reconhecer a sua influência na história e em nossas vidas, entendendo seu poder e potencial mesmo quando usada para reprimir aquilo que para a própria arte muitas vezes é vital e sagrado: a liberdade.


“O cinema é o maior espelho da luta da humanidade.

Você vê esse mundo alternativo, mas faz parte dele.

Todo mundo faz parte disso. Este é o nosso mundo.”

- Lav Diaz (Cineasta Filipino)


[1] Cinejornais - eram exibidos semanalmente em todos os cinemas comerciais do país e se assemelhavam aos noticiários de tv democráticos. Geralmente eram narrados no estilo radialista de maneira cortante e militar.

[2] New Deal - programa de intervenções do Estado na economia para salvar os EUA da Grande Depressão a crise causada pela quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929.

[3] Ato de Segurança Social - lançado em agosto de 1935, foi base da regulamentação dos benefícios sociais nos EUA implantado pelo presidente Roosevelt.

[4] Aliados - grupo de países que surgiu durante a 2ª Guerra Mundial composto por Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética, que lutavam contra os países do Eixo: Japão, Alemanha e Itália.

[5] Código Hays - série de regras que determinavam o que podia estar ou não nos filmes, estabelecidas pelas diretrizes conservadoras do PDCA (Produtores e Distribuidores de Cinema da América) em busca de manter os “valores morais” nas obras cinematográficas da época.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


VAIANO, Bruno. Qual a diferença entre totalitarismo e ditadura?. Super Interessante, ano 2013, 21 dez. 2013. Disponível em: https://super.abril.com.br/blog/oraculo/qual-a-diferenca-entre-totalitarismo-e-ditadura/ Acesso em: 14 set. 2021.

AIC: Academia Internacional de Cinema. História do Cinema: Um Guia., 25 ago. 2020. Disponível em: https://www.aicinema.com.br/historia-do-cinema-confira-este-guia-e-se-destaque/.

Acesso em: 16 set. 2021.

PEREIRA, Wagner Pinheiro. CINEMA E PROPAGANDA POLÍTICA NO FASCISMO, NAZISMO, SALAZARISMO E FRANQUISMO. Editora UFPR: História: Questões & Debates, Curitiba, ed. 38, p. 101 - 131, 2003. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/2716/2253. Acesso em: 13 set. 2021.

Rosa, C. S. da. (2017). Educação e propaganda no jogo político fascista: o uso de imagens cinematográficas por Mussolini. Diálogos, 119 - 142. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/36752 Acesso em 15 set. 2021.

WAGNER, Antônio Carlos. Cinema: A Arte Interdisciplinar. UFRGS Lume Repositório Digital, Porto Alegre, 2012. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/95934/000911698.pdf?sequence=1 Acesso em: 16 set. 2021.

PEREIRA, Wagner Pinheiro. O Poder das Imagens. Agência FAPESP, 2012. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/a-manipulacao-das-consciencias-pelo-cinema/17809/

Acesso em: 17 set. 2021.


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