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Amanda Marcondes

Os Filmes de Terror como um Sintoma Social

Atualizado: 1 de nov. de 2023


Durante a infância, ver qualquer menção à imagem do ghost face [1] ou do boneco assassino Chucky bastava para me deixar aterrorizada. Assistir a esses filmes quando criança era a receita certa para uma noite de pesadelos que só passava quando eu corria para a cama da minha mãe, o único lugar onde, finalmente, eu conseguia cair no sono. Mas já no início da minha pré-adolescência, assistir longas de terror havia se tornado parte da diversão semanal que eu participava junto da minha irmã na casa de amigos. Toda sexta-feira era dia de “sessão de terror”, com meia dúzia de adolescentes espalhados no chão da sala de estar comendo pipoca e refrigerante, com os olhos vidrados na TV que rodava o DVD com a mais recente produção que havíamos alugado na locadora do bairro. Hoje, esse gênero é um dos meus favoritos, e, sempre que tenho a oportunidade, me apresso para assistir um no cinema.


Mas, por que essa categoria é capaz de causar experiências tão distintas: enquanto algumas pessoas amam, outras simplesmente detestam? Filmes de terror são mais do que gritos, sustos e sangue? Para tentar responder a essas perguntas, precisamos ir por partes, primeiramente tratando com o que de fato se trata esse gênero cinematográfico.


Terror, horror, suspense e thriller: tudo a mesma coisa?


Esses são termos, muitas vezes utilizados como sinônimos, têm significados distintos, porém complementares. Em seu ensaio “On Supernatural in Poetry”, de 1826, a escritora Ann Radcliffe diz: “Terror e horror são tão opostos que o primeiro expande a alma, e desperta as faculdades a um grau elevado de vida. O outro as contrai, congela e quase as aniquila” (RADCLIFFE, 1826, p. 145-152).


Em outras palavras, o terror é a construção da antecipação, medo, angústia e arrepios causados antes do horror, que é o susto, a revelação da criatura ou o ataque sanguinário do assassino (geralmente bem gráfico, causando o chamado “horror”). Podemos dizer que “terror” e “horror” quase sempre andam juntos, entretanto, em momentos diferentes da narrativa. Já suspense e thriller são de fato sinônimos. O suspense pode ou não estar presente em um filme, já que sua principal característica não é o susto em si, mas sim a tensão daquilo que se sabe que está por vir.


Por que algumas pessoas gostam de filmes de terror?


Essa é uma pergunta que sempre me interessou muito e foi uma grande satisfação encontrar sua resposta científica. De acordo com o coordenador e fundador do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ, o psiquiatra Dr. Antônio Nardi: “Liberações rápidas de dopamina provocam reações agradáveis e muito prazerosas. Só quando ela perdura no organismo vêm as reações ruins, como confusão mental e fadiga” (LOIOLA, ,2019). Quando sentimos medo ou entramos em alerta, a endorfina e a adrenalina (epinefrina), juntamente da dopamina, são liberadas no nosso corpo, preparando-o para a ação.


O estudo “On the Consumption of Negative Feelings”, conduzido pelos professores Eduardo Andrade (Universidade da Califórnia) e Joel Cohen (Universidade da Flórida) no ano de 2007, buscou entender o porquê algumas pessoas voluntariamente se expõem a situações que geralmente não dão prazer (perigo, medo, violência e/ou estresse). Os pesquisadores concluíram que “[...] somos capazes de ter os chamados ‘mixed feelings’, ou seja, ter emoções positivas e negativas ao mesmo tempo. Sem isso, seria difícil aceitar que alguém passe por um momento doloroso, como as cenas de terror, buscando prazer ou alívio”.


Outra explicação científica apresentada para o “prazer de sentir medo” é de que filmes de terror nos permitem ter uma experiência controlada dessas emoções. Você pode estar assistindo a perseguição da mais perigosa criatura ou do mais cruel assassino, mas isso tudo acontece através da segurança da sua casa, com o poder de pausar ou desligar a cena com um simples clique do controle remoto. No entanto, o psiquiatra e coordenador de psicologia médica e psiquiatria da Unicamp Paulo Dalgalarrondo adverte que “é preciso ter uma distância psicológica para que a narrativa de terror não fique real demais e saia do controle. Alguém que não sente prazer com o terror dos filmes acaba mergulhando demais na história e sente tanto desconforto que bloqueia a diversão de saber que aquilo não é real” (GALILEU,2019). A resposta para aqueles que não são afetados de maneiras drásticas está em um mecanismo mental chamado “distanciamento”.


Filme de terror é só sobre susto?


A resposta mais simples para essa pergunta é: não. Eu não digo isso apenas levando em conta que um longa metragem faz parte de uma expressão artística que pode ser tão simples quanto complexa, trazendo muito do que quem a criou pensa e deseja comunicar. Mas também porque, assim como acontece em outros gêneros cinematográficos, o terror/horror acaba retratando muito da época em que é concebido, levando em consideração o contexto e a situação política e social em que está inserido.


No início do ano de 1900, já estavam sendo produzidos os primeiros filmes, ainda mudos e no formato preto e branco. Um dos clássicos da época e referência do Expressionismo Alemão[2], “Nosferatu” (1922) é até hoje reconhecido como um dos mais famosos filmes de terror e foi o primeiro a retratar o vampiro no cinema, figura anteriormente conhecida apenas pelo clássico literário “Drácula” (1897), de Bram Stoker, (que ganhou sua própria adaptação, dessa vez autorizada, de mesmo nome, em 1931).


As décadas marcadas pelos acontecimentos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxeram a mudança no papel das mulheres na sociedade, que começaram a sustentar a casa e a substituir os homens enviados à guerra, introduzindo as vilãs no imaginário do terror. Já nos anos de 1940 e 1950, os horrores reais da Segunda Guerra (1939-1945), bem como o ataque nuclear dos EUA às cidades de Nagasaki e Hiroshima, chocaram o mundo, e isso mais uma vez foi visto nas produções. Um dos mais famosos foi o japonês “Godzilla” (1954), que gerou uma onda de filmes com monstros que destruíram cidades e instaurraam o terror.


As décadas de 1960 e 1970 apresentaram duas alegorias famosas do terror, o ocultismo e possessões demoníacas (tabus da época), no clássico “O Exorcista” (1973); e filmes que ilustravam o que viria a ser o slasher em alguns anos, inspirados nos casos chocantes e crescentes de assassinos em série, como “O Massacre Da Serra Elétrica” (1974). Com a chegada das inovações tecnológicas, foi possível aprimorar diversos efeitos visuais, sendo talvez um dos mais marcantes os vistos em “Alien: O Oitavo Passageiro” (1979). Os anos de 1980 foram destacados pelos slashers que se popularizaram com franquias que duram até hoje, como “Halloween” (1979), “Sexta-feira 13” (1980) e “A Hora do Pesadelo (1984). Eles se baseiam na mesma premissa de um grupo de jovens incansavelmente perseguidos por um assassino (que parece muitas vezes imortal), porém, isso só acontecia porque a maioria deles apresentava comportamentos considerados imorais (sexo, drogas e/ou vandalismo), ações condenadas pela sociedade muito conservadora. Os períodos seguintes carregaram o surgimento de mais subgêneros, como: terror sobrenatural, found footage, horror exploitation, terror trash, entre outros.


Atualmente, temos o que é conhecido como o Pós-Terror, que abrange o estilo que vem surgindo desde de 2010 e ganha espaço com sua popularidade ao fazer críticas sociais e tratar de temas atuais utilizando o terror como sua ferramenta de narrativa. Esses filmes também são chamados de terror psicológico, porque usam menos do horror gráfico e mais do suspense, mas sem serem menos assustadores. Provavelmente, o melhor exemplo é “Corra!” (2017), que se tornou o favorito de muitos fãs do gênero. Vale também mencionar e deixar de indicação: “O Babadook” (2014), “Corrente do Mal” (2015), “A Bruxa” (2016), “Um Lugar Silencioso” (2017), “Hereditário” (2018), “Nós” (2019), “Midsommar” (2019), “O Homem Invisível” (2021) e “X: A Marca da Morte” (2022).


Filmes de terror podem não agradar todas as pessoas, e não há problema nenhum nisso. No entanto, muitos acabam subestimando esses filmes e os reduzindo a alguns poucos adjetivos, e perdem a oportunidade de ver para além do que é mostrado, o que realmente querem nos dizer.



[1] “Ghostface” é a identidade fictícia adotada pelo antagonista da série de filmes “Pânico”. A máscara usada pelo vilão é inspirada no quadro “O Grito, de Edvard Munch, na capa do disco “The Wall” (1979) do Pink Floyd e até nos fantasmas de desenhos animados dos anos 1930.

[2] O Expressionismo Alemão consistiu em uma série de movimentos criativos relacionados entre si na Alemanha antes da Primeira Guerra Mundial.



Referências


ANDRADE, Eduardo B.; COHEN, Joel B. On the Consumption of Negative Feelings. Journal of Consumer Research, p. 05-08, Fevereiro, 2007. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/23547380_On_the_Consumption_of_Negative_Feelings

RADCLIFFE, Anne. ON THE SUPERNATURAL IN POETRY. New Monthly Magazine, v. 16, n. 1, p. 145-152, 1826. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/208925/On%20Supernatural%20in%20Poetry%20%28Ann%20Radcliffe%29.pdf?sequence=1&isAllowed=y

LOIOLA, Rita. Entenda por que gostamos de sentir medo. Revista Galileu, 8 maio de 2019. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2019/05/por-que-algumas-pessoas-gostam-de-sentir-medo.html


SANTOS, Jaime César P. A. Os filmes de terror como alegoria para os horrores sociais. PUB - Graduação, Repositório UniCEUB, Janeiro 2009. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/123456789/2073 Acesso em: 15 set. 2022.

FIVESON, Heather. Horror & Society. Lynn University - Media and Culture, Disponível em: https://spiral.lynn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1064&context=studentpubs Acesso em: 8 set. 2022.


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