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Zabell Resende

Os olhares da arte brasileira sobre suas guerras sociais e políticas

Atualizado: 3 de out. de 2021

GUERRA no dicionário.

1.luta armada entre nações, ou entre partidos de uma mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fim de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos.

2.qualquer combate com ou sem armas; combate, peleja, conflito.


O que é guerra e onde estão as representações na arte?

Como trazido pelo dicionário, guerra é um confronto entre nações, partidos, etnias distintas, com o fim de impor uma supremacia ou impor leis que defendam seus interesses materiais ou ideológicos. Dessa maneira, a arte possui várias expressões e representações de guerras para além do imaginário romântico europeizado que estamos acostumados. Ou seja, existem guerras no Brasil, em outros países da América Latina e em países africanos que não chegam de maneira idealizada aos nossos olhares, como as grandes guerras travadas pelos nomes que nos colonizaram. Não temos uma Ilíada nem uma Odisséia[1]? Grande guerras como as dos cem anos na Europa?

A resposta que as recomendações vão dar ao leitor é: sim, temos guerras e elas acontecem até hoje, derrubam sangue de povos originários, da população negra, de camponeses e todos os considerados marginais. O Brasil e outros países periféricos no capitalismo possuem grandes campos internos de guerra, fora do imaginário europeu e que foram travados por uma história cheia de opressão, exploração e sangue.



MÚSICA

  1. Emicida

  • Boa Esperança

“Por mais que você corra, irmão// Pra sua guerra vão nem se lixar// Esse é o xis da questão// Já viu eles chorar pela cor do Orixá?”

A música “Boa Esperança”, do cantor Emicida com a participação de J.Ghetto, escancara a luta de classe e a discriminação racial sofrida principalmente pelas populações periféricas do Brasil. Essa foi a primeira música a ser lançada do álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”(2015) e trouxe um clipe que mostra a rebelião[2] de empregados domésticos de uma mansão, daí vem o trecho da música “Bomba relógio prestes a estourar” incitando o que seria a faísca para o começo de uma revolução contra a supremacia da classe rica e da raça branca que violenta, explora e assassina a população pobre e preta no país. Ainda, no clipe, o cenário reproduz o que seria a casa grande[3] e a senzala[4] atual, por outras palavras, expõe a formação da sociedade brasileira onde os ricos e brancos são servidos por mãos negras e pobres que só têm acesso as sobras e ao menosprezo. “E os camburão o que são?// Negreiros a retraficar// Favela ainda é senzala, Jão// Bomba relógio prestes a estourar”

  1. Cordel do Fogo Encantado

  • Foguete de Reis (Ou a Guerra)


“Cordel do Fogo Encantado” é um grupo nacional nordestino fundado na cidade de Arcoverde, Pernambuco. O grupo mistura elementos da cultura local com religiões de matrizes africanas e cristãs, fazendo uso do sincretismo religioso[5] como um dos elementos chaves de suas canções e instrumentos. Na música “Foguete de Reis (Ou a Guerra)”, há o toque do pandeiro para marcar o ritmo da guerra que a letra nos apresenta, no entanto, o elemento que chama atenção é que a guerra descrita na música faz jus ao “folguedo”, festa popular e tradicional que traz os costumes de um povo, podendo esta ser ou de matriz africana ou cristã. Assim, a música é recheada de elementos da cultura do povo que habita o sertão do nordeste, trazendo a festa, a religião, os santos e o som da guerra. “Nesse mundo de fogo e de guerra// O santo da terra// Tem calo na mão”.


CINEMA

  • Uma História de Amor e Fúria

“Uma viagem pela história do Brasil, um trabalho muito bonito que, sem ser didático nem panfletário, revela um autor que tem algo a dizer”. Foi desse modo que o ator Rodrigo Santoro, responsável por dublar um dos principais personagens do longa-metragem de animação, referiu-se ao drama escrito e dirigido por Luiz Bolognesi.


O enredo do filme abrange um período de seis séculos da história do Brasil, pondo em foco quatro eventos históricos: a chegada dos colonizadores e seu confronto com os povos originários, a revolta da Balaiada[6], a luta armada contra o regime militar de 1964, e um futuro ambientado em 2096 onde a água se torna um elemento natural escasso e um motivo de conflito entre os ricos, que a possuem, e pobres que vivem na miséria e são, constantemente, assassinados pelo Estado. Essa obra conta com uma narrativa ágil com traços e linguagem de histórias em quadrinhos (HQ’s) e coloca em foco momentos importantes da história do Brasil, expondo que nossa história possui um pano de fundo de guerra, luta, resistência, assassinatos e violência. Além desses temas, a animação também conta com a presença de um romance, equilibrando o enredo e mostrando que a história desse país é repleta de amor e fúria.


FOTOGRAFIA

  • Ligas Camponesas:

“Em Vitória de Santo Antão (Pernambuco), camponeses e ex-militantes comunistas criam, no engenho Galileia, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), como forma de reagir às tentativas de expulsão dos foreiros[7] e arrendatários das terras em que trabalhavam”. As Ligas se propunham a formar uma assistência médica e jurídica aos camponeses e, também, a criar escolas primárias na região. “ A entidade promoveria a Marcha da Fome, reunindo centenas de trabalhadores rurais para denunciar ao governador a situação de miséria e violência em que viviam. Sob a liderança do advogado Francisco Julião, realizaria ainda o 1º Congresso de Lavradores, Trabalhadores Agrícolas e Pescadores”. Após mobilizações, os camponeses conseguiram a desapropriação de terras improdutivas, o que gerou terras para cerca de 104 famílias. “Até então, as ligas atuavam sobretudo no âmbito jurídico. Todavia, a partir de 1960, especialmente depois de sua visita a Cuba — onde conheceu de perto a ampla reforma agrária realizada na ilha[8] —, Julião passaria a defender um projeto nacional de reforma agrária radical, “na lei ou na marra”, e se colocaria como oposição à esquerda do governo Goulart, criticando o caráter moderado das Reformas de Base. Depois do golpe de 1964, Julião teria de viver no exílio.”


LITERATURA

  • Meio Sol Amarelo de Chimamanda Ngozi Adichie.

Em “Meio Sol Amarelo”, romance de 2006, Chimamanda narra a vida de uma série de personagens em meio a guerra civil na Nigéria. O título do livro carrega a representação da bandeira da República de Biafra[9], que tem meio Sol desenhado e a tentativa de independência em 1967, que gerou uma guerra com mais de 1 milhão de mortos e uma grande quantidade de habitantes em situação de fome. O estado independente do povo igbo[10] existiu por três anos, até sua dissolução em 1970.


A história é contada pela visão de três personagens, sendo eles: Ugwu, um menino de aldeia que vai para Nsukka trabalhar na casa de um revolucionário Odenigbo; Olanna, uma jovem da alta sociedade nigeriana e que se torna professora universitária e passa a morar com Odenigbo e Richard, um jornalista britânico com o sonho de ser um escritor e que chega à África apaixonado pela arte Igbo-Ukwu; e em seguida por Kainene, irmã gêmea de Olanna. Acompanhado de uma narrativa não-linear e com personagens ricos em detalhes, o enredo não apresenta heróis, mas sim uma história complexa de sonhos, experiências e dores humanas em meio a um cenário que se devasta por uma Guerra Civil.

[1] Ilíada e Odisséia: são as duas grandes obras épicas da cultura greco-latina atribuídas ao autor Homero (século VIII a. C.). Ambas tratam de guerras e feitos heróicos que exaltam as tradições do mediterrâneo.

[2] Rebelião: oposição a autoridade ou poder dominante.

[3] Casa grande: casa senhorial rural do período colonial (século XVI), em que habitava o dono do engenho e sua família.

[4] Senzala: alojamento do engenho destinado à moradia dos escravos.

[5] Sincretismo religioso: é a fusão de diferentes doutrinas religiosas para criar uma nova ou alguma espécie de rito religioso.

[6] Revolta da Balaiada: foi uma revolta de caráter popular que eclodiu no Maranhão durante o Período Regencial (1838-1841) contra os grandes proprietários agrários da região.

[7] Foreiros: quem paga foro.

[8] Reforma agrária: em linhas gerais, a reforma agrária é uma redistribuição de terras que não cumprem sua função social para que esta seja repartida entre trabalhadores rurais que não possuem terra.

[9] República de Biafra: A República do Biafra foi um estado secessionista no sudeste da Nigéria. O Biafra era habitado maioritariamente pelos ibos e existiu de 30 de Maio de 1967 a 15 de Janeiro de 1970.

[10] Povo igbo: Os igbos (pronúncia ibos) são um dos maiores grupos étnicos africanos. Habitam do leste, sul e sudeste da Nigéria, além de Camarões e da Guiné Equatorial.


Referências Bibliográficas:


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