GUERRA no dicionário.
1.luta armada entre nações, ou entre partidos de uma mesma nacionalidade ou de etnias diferentes, com o fim de impor supremacia ou salvaguardar interesses materiais ou ideológicos.
2.qualquer combate com ou sem armas; combate, peleja, conflito.
O que é guerra e onde estão as representações na arte?
Como trazido pelo dicionário, guerra é um confronto entre nações, partidos, etnias distintas, com o fim de impor uma supremacia ou impor leis que defendam seus interesses materiais ou ideológicos. Dessa maneira, a arte possui várias expressões e representações de guerras para além do imaginário romântico europeizado que estamos acostumados. Ou seja, existem guerras no Brasil, em outros países da América Latina e em países africanos que não chegam de maneira idealizada aos nossos olhares, como as grandes guerras travadas pelos nomes que nos colonizaram. Não temos uma Ilíada nem uma Odisséia[1]? Grande guerras como as dos cem anos na Europa?
A resposta que as recomendações vão dar ao leitor é: sim, temos guerras e elas acontecem até hoje, derrubam sangue de povos originários, da população negra, de camponeses e todos os considerados marginais. O Brasil e outros países periféricos no capitalismo possuem grandes campos internos de guerra, fora do imaginário europeu e que foram travados por uma história cheia de opressão, exploração e sangue.
MÚSICA
Emicida
Boa Esperança
“Por mais que você corra, irmão// Pra sua guerra vão nem se lixar// Esse é o xis da questão// Já viu eles chorar pela cor do Orixá?”
A música “Boa Esperança”, do cantor Emicida com a participação de J.Ghetto, escancara a luta de classe e a discriminação racial sofrida principalmente pelas populações periféricas do Brasil. Essa foi a primeira música a ser lançada do álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”(2015) e trouxe um clipe que mostra a rebelião[2] de empregados domésticos de uma mansão, daí vem o trecho da música “Bomba relógio prestes a estourar” incitando o que seria a faísca para o começo de uma revolução contra a supremacia da classe rica e da raça branca que violenta, explora e assassina a população pobre e preta no país. Ainda, no clipe, o cenário reproduz o que seria a casa grande[3] e a senzala[4] atual, por outras palavras, expõe a formação da sociedade brasileira onde os ricos e brancos são servidos por mãos negras e pobres que só têm acesso as sobras e ao menosprezo. “E os camburão o que são?// Negreiros a retraficar// Favela ainda é senzala, Jão// Bomba relógio prestes a estourar”
Cordel do Fogo Encantado
Foguete de Reis (Ou a Guerra)
“Cordel do Fogo Encantado” é um grupo nacional nordestino fundado na cidade de Arcoverde, Pernambuco. O grupo mistura elementos da cultura local com religiões de matrizes africanas e cristãs, fazendo uso do sincretismo religioso[5] como um dos elementos chaves de suas canções e instrumentos. Na música “Foguete de Reis (Ou a Guerra)”, há o toque do pandeiro para marcar o ritmo da guerra que a letra nos apresenta, no entanto, o elemento que chama atenção é que a guerra descrita na música faz jus ao “folguedo”, festa popular e tradicional que traz os costumes de um povo, podendo esta ser ou de matriz africana ou cristã. Assim, a música é recheada de elementos da cultura do povo que habita o sertão do nordeste, trazendo a festa, a religião, os santos e o som da guerra. “Nesse mundo de fogo e de guerra// O santo da terra// Tem calo na mão”.
CINEMA
Uma História de Amor e Fúria
“Uma viagem pela história do Brasil, um trabalho muito bonito que, sem ser didático nem panfletário, revela um autor que tem algo a dizer”. Foi desse modo que o ator Rodrigo Santoro, responsável por dublar um dos principais personagens do longa-metragem de animação, referiu-se ao drama escrito e dirigido por Luiz Bolognesi.
O enredo do filme abrange um período de seis séculos da história do Brasil, pondo em foco quatro eventos históricos: a chegada dos colonizadores e seu confronto com os povos originários, a revolta da Balaiada[6], a luta armada contra o regime militar de 1964, e um futuro ambientado em 2096 onde a água se torna um elemento natural escasso e um motivo de conflito entre os ricos, que a possuem, e pobres que vivem na miséria e são, constantemente, assassinados pelo Estado. Essa obra conta com uma narrativa ágil com traços e linguagem de histórias em quadrinhos (HQ’s) e coloca em foco momentos importantes da história do Brasil, expondo que nossa história possui um pano de fundo de guerra, luta, resistência, assassinatos e violência. Além desses temas, a animação também conta com a presença de um romance, equilibrando o enredo e mostrando que a história desse país é repleta de amor e fúria.
FOTOGRAFIA
Ligas Camponesas:
“Em Vitória de Santo Antão (Pernambuco), camponeses e ex-militantes comunistas criam, no engenho Galileia, a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), como forma de reagir às tentativas de expulsão dos foreiros[7] e arrendatários das terras em que trabalhavam”. As Ligas se propunham a formar uma assistência médica e jurídica aos camponeses e, também, a criar escolas primárias na região. “ A entidade promoveria a Marcha da Fome, reunindo centenas de trabalhadores rurais para denunciar ao governador a situação de miséria e violência em que viviam. Sob a liderança do advogado Francisco Julião, realizaria ainda o 1º Congresso de Lavradores, Trabalhadores Agrícolas e Pescadores”. Após mobilizações, os camponeses conseguiram a desapropriação de terras improdutivas, o que gerou terras para cerca de 104 famílias. “Até então, as ligas atuavam sobretudo no âmbito jurídico. Todavia, a partir de 1960, especialmente depois de sua visita a Cuba — onde conheceu de perto a ampla reforma agrária realizada na ilha[8] —, Julião passaria a defender um projeto nacional de reforma agrária radical, “na lei ou na marra”, e se colocaria como oposição à esquerda do governo Goulart, criticando o caráter moderado das Reformas de Base. Depois do golpe de 1964, Julião teria de viver no exílio.”
LITERATURA
Meio Sol Amarelo de Chimamanda Ngozi Adichie.
Em “Meio Sol Amarelo”, romance de 2006, Chimamanda narra a vida de uma série de personagens em meio a guerra civil na Nigéria. O título do livro carrega a representação da bandeira da República de Biafra[9], que tem meio Sol desenhado e a tentativa de independência em 1967, que gerou uma guerra com mais de 1 milhão de mortos e uma grande quantidade de habitantes em situação de fome. O estado independente do povo igbo[10] existiu por três anos, até sua dissolução em 1970.
A história é contada pela visão de três personagens, sendo eles: Ugwu, um menino de aldeia que vai para Nsukka trabalhar na casa de um revolucionário Odenigbo; Olanna, uma jovem da alta sociedade nigeriana e que se torna professora universitária e passa a morar com Odenigbo e Richard, um jornalista britânico com o sonho de ser um escritor e que chega à África apaixonado pela arte Igbo-Ukwu; e em seguida por Kainene, irmã gêmea de Olanna. Acompanhado de uma narrativa não-linear e com personagens ricos em detalhes, o enredo não apresenta heróis, mas sim uma história complexa de sonhos, experiências e dores humanas em meio a um cenário que se devasta por uma Guerra Civil.
[1] Ilíada e Odisséia: são as duas grandes obras épicas da cultura greco-latina atribuídas ao autor Homero (século VIII a. C.). Ambas tratam de guerras e feitos heróicos que exaltam as tradições do mediterrâneo.
[2] Rebelião: oposição a autoridade ou poder dominante.
[3] Casa grande: casa senhorial rural do período colonial (século XVI), em que habitava o dono do engenho e sua família.
[4] Senzala: alojamento do engenho destinado à moradia dos escravos.
[5] Sincretismo religioso: é a fusão de diferentes doutrinas religiosas para criar uma nova ou alguma espécie de rito religioso.
[6] Revolta da Balaiada: foi uma revolta de caráter popular que eclodiu no Maranhão durante o Período Regencial (1838-1841) contra os grandes proprietários agrários da região.
[7] Foreiros: quem paga foro.
[8] Reforma agrária: em linhas gerais, a reforma agrária é uma redistribuição de terras que não cumprem sua função social para que esta seja repartida entre trabalhadores rurais que não possuem terra.
[9] República de Biafra: A República do Biafra foi um estado secessionista no sudeste da Nigéria. O Biafra era habitado maioritariamente pelos ibos e existiu de 30 de Maio de 1967 a 15 de Janeiro de 1970.
[10] Povo igbo: Os igbos (pronúncia ibos) são um dos maiores grupos étnicos africanos. Habitam do leste, sul e sudeste da Nigéria, além de Camarões e da Guiné Equatorial.
Referências Bibliográficas:
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