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Laura Lopes

Para onde foram as andorinhas?

Atualizado: 10 de jul. de 2022


“O Criador disse:

-Quando eu vir secar esse rio onde vocês estão, com os brancos destruindo tudo (...) Quando não existirem mais sinais de vocês, quando só restar os brancos, eu vou afastar os sapos que seguram as duas pontas do céu. O céu vai cair. E vai acabar tudo.”


O curta-metragem “Para onde foram as andorinhas?” (2015), premiado ao redor da América e fruto da parceria entre os institutos Catitu- Aldeia em Cena [1] e o Socioambiental [2], dirigido por Mari Corrêa, escancara a realidade que envolve a maior reserva indígena no território brasileiro: O parque do Xingu. Disposto na parte sul da floresta amazônica como uma ilha cercada pelo desmatamento, o parque é lar de 16 etnias indígenas [3] que sofrem com os efeitos da destruição ambiental desenfreada que se disfarça de via de desenvolvimento socioeconômico da região.


Através de dados de pesquisa e gráficos, o documentário afirma que 42% das florestas que cercam o parque foram derrubadas para formação de monocultura de soja e milho. É mostrado, também, que no estado do Mato Grosso foi derrubado o equivalente a 230 mil campos de futebol de matas ciliares das nascentes do rio Xingu. O curta atua como via de denúncia dos próprios membros das comunidades aos grandes agentes do agronegócio que violam as florestas que abrangem suas reservas. São inúmeros os depoimentos indígenas a respeito dos danos ambientais.


O desmatamento que ocorre fora do parque causa impacto dentro dele, agravando o calor e ressecando as florestas. Os incêndios nascem do clima anormalmente seco e se alastram na região com uma facilidade igualmente incomum. Dessa forma, as próprias comunidades indígenas se organizam para impedir a propagação descontrolada do fogo, utilizando mangueiras portáteis e arriscando suas vidas.


A natureza responde à devastação, e sua resposta vem na forma de uma série de eventos em efeito dominó: a parte da mata que não sucumbiu em cinzas se tornou estéril. Quando gera, são frutos frágeis, feios. A custosa prosperidade trouxe a fome e, logo, a diminuição -hoje, significativa- da fauna.


A falta de frutos e animais acarretou, por sua vez, diversas perdas aos povos indígenas, que sofrem gradualmente a carência de elementos que servem de base para sua existência. Além dos alimentos, o acesso à matéria-prima de seus utensílios medicinais, de caça e armazenamento está se distanciando cada vez mais.


Mais que isso, os animais da região orientavam na marcação do tempo. Muitas vezes sinalizavam a chegada de fenômenos como a seca e as chuvas. Com o desaparecimento das espécies, o cálculo da previsão do tempo foi afetado e, da mesma forma, a organização dos ciclos de plantação e colheita foi revirada.


As andorinhas eram os principais animais que indicavam a chegada das chuvas, e nunca mais foram vistas. A questão que paira nas mentes dos povos do Xingu dá título ao curta: “Para onde foram as andorinhas?”


“Quando as cigarras cantam nós sabemos que dali três dias a primeira chuva vai cair. É quando começamos a plantar milho, banana, batata-doce, abóbora, amendoim, pimenta, cará, algodão. É a cigarra que nos dá o sinal. Mas as cigarras não estão cantando. Por quê? O calor cozinhou os ovos delas. Por isso elas não cantam mais.”


“Como vamos saber o tempo da nossa história acontecer? Se já perdemos os sinais que marcam o tempo?”


O considerável aumento da temperatura não é o principal vilão do cenário que perturba o respiro das florestas do Xingu. Os ventos trazem resquícios dos agrotóxicos utilizados nas monoculturas que fazem fronteira com a reserva. As plantações indígenas acabam envenenadas e instáveis. Grande parte da colheita acaba apodrecendo precocemente. Pragas também surgiram das vastas áreas de monocultura e atingiram as plantações.


“Quando nossos alimentos o que meus netos vão comer? Eles vão passar fome e depender da comida dos brancos.”


O curta apresenta diversas cenas intimistas do cotidiano das comunidades e de seus processos de cultivo. Os danos com os quais os indígenas do Xingu lidam dia após dia também são documentados e explicitamente reconhecíveis. A calamitosa realidade retratada é de cortar o coração, mas, acima de tudo, serve de alerta: é um grito de revolta e um pedido de socorro que chega até nós pelos depoimentos, pelas expressões serenas e carregadas de angústia, pela prova da tamanha dedicação e cuidado com a natureza, que é retribuído com a miséria, o calor e a solidão. Sem o canto dos pássaros, sem o grito das cigarras, sem o movimento dos macacos. Nossa natureza transcende qualquer barreira cultural, o dever de preservá-la é unânime.


Levaram o passado e estão levando o presente, mas não deixemos que levem o futuro - tanto dos povos que aqui habitam, desde muito antes de a maioria dos nossos antepassados sequer pensar em navegar até o continente, quanto da nossa biodiversidade.


Depoimentos de:

Sadea Yudja

Yapatsiama Waura

Tuim Kawaiwete

Awalukuma Waura

Kuripawaka Waurá


[1] Associação sem fins lucrativos que realiza projetos culturais e ambientais com comunidades indígenas ao redor do Brasil. Por meio de produções audiovisuais, povos indígenas compartilham com o mundo suas ideias e maneiras de lidar com o planeta; reivindicam seus direitos; expõem sua cultura e suas angústias a partir de seus próprios olhares.

[2] Organização da sociedade civil brasileira que visa a proteção e garantia dos direitos socioambientais indígenas, bem como seu patrimônio cultural. Atuam em pesquisas, projetos e parcerias em várias partes do Brasil.

[3] Aweti, Ikpeng, Kaiabi, Kalapalo, Kamaiurá, Kĩsêdjê, Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nahukuá, Naruvotu, Wauja, Tapayuna, Trumai, Yudja, Yawalapiti.


Referências bibliográficas:


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