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Maria Fernanda Viana Chypriades

Protagonista de grandes humilhações

Atualizado: 22 de jun. de 2022

Da minha janela acompanho mais um dilúvio cair do céu, daqueles apelidados carinhosamente de "águas de março”, contemplo, com certo respeito, a chuva forte, os trovões distantes, e, lá no meio do céu, entre o espaço de um prédio e outro, vejo ele, o guarda-chuva.


Dedurando a direção do vento, ele vai lento e arqueado pelo bairro do Paraíso. Logo pensei na coadjuvante que segurava sua haste minutos, ou talvez, segundos antes. Cômico, quando um vento mais forte vira o guarda-chuva ao avesso e o arranca da sua mão, ela, insatisfeita da humilhação inicial, ousa, além de tudo, correr atrás do que fora perdido, a imagem é caricata: passos lindamente desengonçados nas poças de água da Avenida Paulista, o braço esticado em vão; a corrida está ganha e o vencedor já passa do dobro de sua altura.


Me divirto com minha própria imaginação quando sou pega por uma memória de outro dia, acho que ontem mesmo, no bairro de Santana, eu ia num toró dividindo um guarda-chuvinha, mas um guarda-chuvinha sofrido mesmo; completamente díspar. Debaixo daquela assimetria íamos grudadas uma na outra, tentando sem sucesso encaixar meu curto passo com o seu longo, uma se molha porque andou demais, outra se molha porque andou de menos e o tal do guarda-chuvinha, velho de guerra, em sua última batalha, nem liga. É aí que escuto a máxima da boca da de passos longos: guardas-chuva protagonizam grandes humilhações.


É verdade, desde cenas obscenas como a de um guarda-chuva escapar da mão de alguém em plena avenida, até alguém que escorrega na poça formada num canto tímido do metrô depois de outro passageiro ter descansado sua arma no chão. São infindáveis as possibilidades: um guarda-chuva que tromba o outro na calçada, aquele que não passa no diâmetro do portão da portaria, o que esbarra na árvore e molha quem quer que esteja embaixo da copa, o que quebra no primeiro dia de uso ou aquele ruim-ruim que não quebra nunca e não dá pra se livrar dele, infindáveis aventuras.


Só agora, percebo que o guarda-chuva, esse arqueado sobrevoando o Paraíso, não foi arrancado da mão de ninguém por vento nenhum, ele fugiu das garras de mais uma humilhação. Cansado de seu lugar de chacota ele se aproveita do vento, se prepara e alça o voo da sua liberdade: — Daqui pra frente que usem capa!


Mas eu, como fã de tudo que é cômico, dispenso a capa e compro outro guarda-chuva pra esperar ansiosa as humilhações do próximo março.




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