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Giulia Grecco Spada

Reflexão sobre os algoritmos digitais a nível social

Que os algoritmos[1] invadiram nossa vida todo mundo já sabe. Ninguém escapa dos anúncios direcionados do Instagram ou deixa de ouvir sua seleção diária do Spotify, todos conteúdos escolhidos à dedo, exclusivamente para você, a partir dos dados do que já foi consumido nas redes. A gente até se surpreende com a precisão desses recursos - Como assim? Eu falei sobre esse item ontem no meu Whatsapp e agora ele está sendo anunciado no Instagram! –, mas a sensação é de não ter escapatória, pois ignoramos seu funcionamento e estamos completamente dependentes das plataformas digitais. Há uma vigilância constante, que atenta contra nossa privacidade. E o pior de tudo: pelo fato de ignorarmos seu modo de funcionamento, o fenômeno foi naturalizado.


O mundo digital é, basicamente, comandado por cinco Big Techs: Apple, Amazon, Alphabet (Google), Microsoft e Facebook, empresas de tecnologia inovadoras que rapidamente dominaram o mercado em que atuam. Além dessas, podemos pensar em exemplos como a Netflix, o Spotify e a Uber, outras plataformas bilionárias. Como essas poucas corporações ganharam tanto espaço em nossa vida? E, se muitas delas oferecem serviços gratuitos ou a preços baixíssimos, como se sustentam?

Comecemos com o exemplo do Spotify, a maior plataforma de streaming de música e podcast do mundo, onde se tem acesso quase infinito a esses conteúdos. Seu algoritmo parece não apenas organizar nossas músicas favoritas em playlists muito harmônicas, mas também adivinhar nosso gosto musical, adicionando novas faixas na sequência. Tudo isso por uma mensalidade barata ou em uma conta gratuita, que intercala anúncios publicitários entre as reproduções.

A conta fecha porque, na verdade, o Spotify não é uma empresa de distribuição de música e sim de dados e publicidade. O produto é seu próprio assinante. A matéria prima são seus dados de consumo e de contexto. A plataforma de streaming ganha dinheiro entendendo o perfil dos usuários, organizando seus dados de subjetividade a partir das reproduções. Ao mesmo tempo em que você está, inocentemente, ouvindo seus artistas favoritos ou pulando músicas que não gosta, você está alimentando um algoritmo que te analisa incessantemente.


O processo é: os dados são captados e organizados, em busca de padrões, monta-se, então, um perfil pessoal inacessível ao usuário a partir de julgamentos desconhecidos, e, de acordo com ele, o Spotify recomenda as músicas certas para que o ouvinte não se desconecte da plataforma. Fazendo isso, a empresa tem nas mãos um público imenso e pode oferecê-lo aos anunciantes. É aí que ela lucra.


E não é apenas o Spotify que lança mão da mineração de dados, como bem sabemos. O Facebook, por exemplo, esteve envolvido no caso da Cambridge Analytica, no qual vendeu dados pessoais de seus usuários para traçar perfis subjetivos e direcionar propagandas políticas durante as eleições americanas de 2016. Tudo sem o conhecimento ou autorização dos indivíduos.


A Uber, por sua vez, aposta na captação de informações sobre a cidade e a circulação urbana, ao mesmo tempo que investe no desenvolvimento de carros autônomos. A Google, apesar de gratuita, tem grande parte do lucro advindo de anúncios. A Amazon, como e-commerce, não passa de um armazém de distribuição de produtos, não produzindo nada material. E por aí vai… As empresas oferecem entretenimento, serviços e facilidades, quando, nos bastidores, se interessam apenas por manter o usuário ativo para captação de informações, a fim de usá-las em sua área de atuação.

Ao analisar tal cenário digital e social, a professora de psicologia e comunicação da UFRJ, Fernanda Bruno, cunhou a expressão “economia psíquica dos algoritmos”. É uma tentativa de entender o momento do capitalismo em que vivemos, no qual os dados são a principal commodity[2]. O capitalismo de dados pessoais está, assim, diluindo a fronteira entre o pessoal e o público, tirando o direito de privacidade, invadindo as casas, os cotidianos, as cabeças. Diferente do capitalismo clássico, em que o elemento central era a fabricação do objeto, “hoje, antes de fabricar o objeto é preciso fabricar o desejo”[3]. Ou seja, os dados alimentam algoritmos que passam a controlar o desejo e o comportamento dos usuários da internet.


Nota-se, por fim, uma dificuldade de nomear o momento em que estamos: a relação entre capitalismo e tecnologia, ao nível do que estamos experienciando, nunca ocorreu. Suas consequências tampouco podem ser previstas, apesar de já estarmos sofrendo impactos a nível estrutural, como a uberização do trabalho, e individual, com o aumento do vício nas redes sociais (todos temas pertinentes que valem uma discussão à parte, mais aprofundada).


Apesar de os algoritmos parecerem assunto das ciências exatas, os números só podem ser organizados a partir de critérios qualitativos, avaliados por especialistas das áreas humanas. Além disso, cabe à sociologia e outras áreas vizinhas analisar seu impacto na sociedade. Nesse sentido, ao se debruçar sobre o assunto, as ciências humanas têm percebido que os conceitos do século XX – isto é, o que se entendia por capitalismo, privacidade, produto, consumo, etc. –, se usados para o caso contemporâneo, podem invisibilizar aspectos da realidade. É preciso, então, refletir e alimentar o debate acerca do tema, trilhando o caminho para uma investigação sólida - consciente do uso dos conceitos antigos e da necessidade de se conceber novos – e para uma desnaturalização do protagonismo das plataformas digitais em nosso cotidiano.


[1] “O termo, que tem origem na matemática, caracteriza um conjunto de etapas que um software qualquer precisa realizar para chegar a um resultado.” Aqui, nos referimos aos algoritmos específicos de cada plataforma, como o algoritmo de anúncios da Google, que moldam o conteúdo que o usuário irá receber de acordo com os dados que tem dele.

[2] “corresponde a produtos básicos globais não industrializados, ou seja, matérias-primas que não se diferem independente de quem as produziu ou de sua origem, sendo seu preço uniformemente determinado pela oferta e procura internacional.”

[3] Maurizio Lazzarato, sociólogo e filósofo italiano.


Referências bibliográficas

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