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Marina Prete Faccio

Reflexões sobre o "Normal" e o "Patológivo"

Será que podemos mesmo definir e diferenciar de maneira precisa o que seria considerado “normal” e o que seria tido como “patológico”[1]? Ou seria esse apenas mais um modo de classificar e rotular pessoas, comportamentos e personalidades diferentes? Se formos pesquisar em um dicionário comum, certamente encontraremos uma definição exata, através da qual poderemos identificar cada um desses adjetivos e seus respectivos significados de forma clara. Entretanto, à medida que nos propomos a romper com a lógica desta discussão do campo da semântica[2], isto é, do significado das palavras, para o domínio do pensamento filosófico e dos estudos contidos na área da Psicopatologia[3], somos instigados a refletir sobre esses termos que, em contextos nosológicos[4], acabam por estereotipar e subjugar os indivíduos em “normais” ou “anormais”.


Sendo assim, segundo a autora Maria Luiza Silveira Teles (1990, p. 12), em seu livro O que é Neurose, no capítulo “Critérios de Normalidade”, uma pessoa pode ser considerada normal se tiver a capacidade de equilibrar suas necessidades individuais e as imposições sociais, preservando, assim, sua individualidade e seu pensamento crítico, de maneira a priorizar sua constante evolução. Por outro lado, a anormalidade, então, seria uma “condição que impediria um indivíduo de funcionar efetivamente em sua sociedade, de maneira produtiva, criativa e cooperativa, sem perda da riqueza de sua individualidade”. (TELES, 1990, p.13)


Contudo, de acordo com Maria Luiza (1990, p. 13), embora seja fácil identificar e classificar comportamentos patológicos, é extremamente difícil estabelecer critérios no que se refere a normalidade, pois ela é mutável e, portanto, assume características particulares e variações específicas dependendo do contexto, pois, metaforicamente, o “normal” e o “anormal” estão situados em lados opostos de uma linha tênue. Ademais, a autora traz o conceito de “normalidade patológica”, que é aquela por meio da qual o indivíduo se torna um ser completamente comum, pois prende-se aos ideários sociais e acomoda-se na própria realidade, e com isso, perde-se de si mesmo, fazendo com que se torne difícil, quase impossível, distinguir o que é verdadeiramente dele daquilo que fora nele introjetado.



Fonte da Imagem: Site da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), 2022.



Sob outra perspectiva, segundo o filósofo francês Georges Canguilhem, em seu livro O Normal e o Patológico, publicado pela primeira vez em 1943, devemos questionar também os rótulos e as definições pré-concebidas diante do termo “patológico”, já que o sujeito que recebe esta denominação é comumente inferiorizado diante daqueles considerados “normais”. Logo, categorizar as patologias como sendo deterministas e definitivas, acarreta em preconceitos às pessoas que as detêm e ao próprio termo, que fica estereotipado e banalizado. Além disso, na visão do autor, tal reducionismo é resultante de uma vontade enorme de engessar o indivíduo em uma condição de que se é doente e não de que se está doente, o que é insustentável, visto que até mesmo dentro da “normalidade” existem instabilidades e oscilações naturais do comportamento humano.


Dessa maneira, deve-se considerar que o que julgamos normal ou patológico, saúde ou doença nos seres humanos, depende da constituição do próprio sujeito, à medida que cada ser é singular e possui características subjetivas. Por consequência, é impossível esperar que comportamentos iguais sejam produzidos por indivíduos diferentes e em estados distintos, porque cada um apresenta uma realidade sociocultural particular, uma visão de mundo própria, um organismo específico e, portanto, um quadro clínico único.


Desse modo, conclui-se que todos nós possuímos histórias de vida, personalidades e comportamentos diferentes, sendo impossível generalizar e atribuir a todos diagnósticos e tratamentos iguais. Logo, a anamnese[5] crítica, porém, humana de cada sujeito, nos provoca várias reflexões, já que, muitas vezes, denominamos certas condições como sendo patológicas quando, na verdade, são apenas transgressões naturais da conduta humana. Sendo assim, tendo em vista a sociedade na qual estamos inseridos, é completamente normal ser um tanto quanto "anormal", pois, como fora afirmado pelo filósofo indiano Jiddu Krishnamurti, “não é sinal de saúde estar bem adaptado a uma sociedade doente”.

[1] Patológico: Referente a Patologia; que revela doença; mórbido, doentio.

[2] Semântica: Em um sistema linguístico, é o componente do sentido das palavras e da interpretação das sentenças e dos enunciados.

[3] Psicopatologia: É a área do conhecimento que objetiva estudar os estados psíquicos relacionados ao sofrimento mental.

[4] Nosológico: Relativo a Nosologia, que é o ramo da medicina que estuda e classifica as doenças.

[5] Anamnese: Consiste no histórico de todos os sintomas narrados pelo paciente sobre determinado caso clínico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTINS, Erik Fernando Miletta. Notas sobre “O Normal e o Patológico” de G. Canguilhem. Unicamp, Publicações, 2020. Disponível em https://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/n00006.htm Acessos em 08 set. 2020.

SILVA, Thiago Loreto Garcia da et al. O normal e o patológico: contribuições para a discussão sobre o estudo da psicopatologia. Aletheia, Canoas, n. 32, p. 195-197, ago. 2010. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942010000200016&lng=pt&nrm=iso. Acessos em 08 set. 2020.

TELES, Maria Luiza. Critérios de Normalidade. In: TELES, Maria Luiza. O que é Neurose. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 9-15.



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