O livro “Ideias para adiar o fim do mundo”, de Ailton Krenak, um dos mais importantes pensadores indígenas contemporâneo, traz uma reflexão acerca da ideia de humanidade difundida pelo mundo, questionando quem ela engloba, a quem ela serve e, o mais importante, quem ela exclui e massacra. Sendo a adaptação de uma conferência dada pelo autor em Portugal, a publicação se utiliza de uma linguagem mais despojada para tratar de assuntos referentes à sociedade atual, baseada no consumismo desenfreado e na destruição da natureza.
O argumento central é o de que foi criada a ideia de uma humanidade que une os indivíduos desse planeta, sob a qual o homem se civilizou e se modernizou, e à qual servem as instituições globais e locais, inclusive os Estados Nacionais. Entretanto, esse “liquidificador chamado humanidade” (pág 14) quer, desenfreadamente, homogeneizar os homens e, assim, suprime as particularidades culturais ao redor do mundo. Pensando nacionalmente, é o argumento que sustentou a extinção dos povos indígenas, que deveriam ser “civilizados”. Ligados a esse conceito de humanidade, encontra-se um modelo de progresso que acaba por transformar os indivíduos em consumidores e não em cidadãos.
O outro lado, totalmente oposto, dessa humanidade, Krenak chama de sub-humanidade: “Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos [...]. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes - a sub-humanidade” (pág 21). Segundo o autor, nesses povos não há indivíduos, e sim pessoas coletivas, que carregam parte da pluralidade destruída pela marcha da humanidade. São os que, contra-hegemônicos e contra-coloniais, ainda vivem em comunhão com a Terra.
Diante da dicotomia humanidade x sub-humanidade, a ideia que mais chama atenção aparece ao final do discurso, quando Krenak, ao pensar sobre seu título, coloca: como esses povos originários, essa sub-humanidade, lidou e ainda lida com o fim do seu mundo? Essa tal humanidade homogeneizadora se preocupa tanto com o fim do mundo, que não percebe seu próprio poder de destruição das culturas indígenas, sobreviventes do processo devastador da colonização. A solução estaria, justamente, em abrir os horizontes da humanidade, considerando a diversidade de pensamentos e a heterogeneidade das culturas, restituindo a particularidade de cada povo. Assim, poderemos devolver à humanidade o prazer de estar vivo e “sempre poder contar mais uma história” (pág 27).
Referências bibliográficas
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. Editora Companhia das Letras, 2019.
Kommentare