Como estudante de Relações Internacionais, ler sobre guerras é algo quase cotidiano - entender as motivações e consequências políticas, seus aspectos técnicos, as alterações que elas causam na balança de poder mundial… Mas, pouco se discute sobre o quanto a guerra afeta os Estados em seu nível micro, isto é, os indivíduos, as famílias, em suma, o psicológico de cada um. E é por isso que o livro "Meio Sol Amarelo", escrito por Chimamanda Ngozi Adichie, me encantou. A autora narra a Guerra Nigéria-Biafra, que se passou na segunda metade da década de 1960, através da perspectiva de diferentes personagens com características muito distintas: homens, mulheres e crianças, nigerianos e estrangeiros, com níveis de ensino e classes variados. Além disso, como todo livro escrito por essa autora, temáticas sociais como classe e gênero também são abordadas, o que aumenta a complexidade e profundidade de cada personagem.
Sendo muito sincera, eu havia escolhido este livro somente por causa da autora, pois já tinha lido outros de seus títulos escritos, que apreciei muito, então sabia que, independente do tema, o livro seria bom. O que eu não sabia era que a temática me surpreenderia tanto: eu não sou particularmente fã de obras que tratam de guerras no geral, mas Chimamanda consegue trazer informações históricas sem torná-las entediantes e narrar o sofrimento daqueles que vivem durante a guerra sem cair em um drama comum. A autora realizou uma extensa pesquisa sobre a Guerra Civil da Nigéria, que a ajudou a construir uma narrativa imaginária sobre acontecimentos reais, que, inclusive, fizeram parte da vida da própria Chimamanda. Na dedi
catória do livro consta que seus avôs não sobreviveram à guerra, mas que suas avós ficaram para contar a história. Assim, mais uma perspectiva é adicionada, aquela de alguém que, apesar de não ter vivido a guerra, também foi afetada através das gerações.
O livro começa no princípio da década de 1960, no pós independência da Nigéria, descrevendo, assim, o desenvolvimento do conflito que, em grande parte, foi causado por desavenças étnicas entre dois povos, os Ibos e Hauçás, que estavam juntos em um mesmo território graças à divisão arbitrária realizada na Conferência de Berlim[1]
. Dessa forma, a história é capaz de abarcar, além dos aspectos psicológicos e subjetivos de cada personagem, as questões políticas e sociais que permeiam as heranças do imperialismo.
Assim, a autora estabelece um diálogo muito interessante entre o cenário de guerra e o rumo da história das personagens, retratando um contexto histórico verídico e, ao mesmo tempo, criando uma ficção muito cativante. Ademais, ao longo da narrativa, é possível perceber o desenrolar da crise humanitária gerada pela guerra, através de descrições impactantes de campos de refugiados, da fome e da disseminação de doenças, que, assim como a guerra, fez muitas vítimas.
Apesar da escrita fluída, Meio Sol Amarelo não é fácil de se ler. O livro causa revoltas e reflexões muito profundas, que transportam o espectador para uma realidade muito diferente da qual a maioria de nós tem contato. Também, é preciso enfatizar que, dentre tantas obras que abordam o fenômeno Guerra, ler uma história sobre um conflito que não é muito debatido no ocidente é de grande importância para a construção de uma visão mais ampla sobre os povos do mundo. A obra de Chimamanda é uma narrativa que aproxima o leitor do sofrimento da guerra, o que nos torna mais humanos e mais conscientes do que a guerra realmente significa, muito além de seus aspectos técnicos e formais.
[1]De acordo com a Deutsche Welle, a Conferência de Berlim foi um encontro entre 13 países, incluindo os Estados Unidos, Império Otomano e países da Europa, em 1885. Seu objetivo era definir as fronteiras dos territórios coloniais que essas potências possuíam no continente africano, todavia nenhum representante africano participou da conferência. Assim, o continente africano foi dividido de maneira completamente arbitrária, "sem qualquer consideração pela história da sociedade, sem ter em conta as estruturas políticas, sociais e económicas existentes", como afirma o historiador Olyaemi Akinwumi. Inúmeros historiadores incluindo Akinwumi relatam que essa divisão desencadeou posteriormente vários conflitos internos no continente.
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