A saúde sexual de mulheres cis lésbicas e bissexuais, ou seja, de mulheres que se identificam com o seu gênero de nascimento e se sentem atraídas por outras mulheres, ainda é um assunto pouco falado na nossa sociedade. Vivemos em um mundo historicamente heteronormativo, isto é, onde as relações românticas e sexuais entre homens e mulheres são estabelecidas como a ordem “natural” das coisas, e tudo que vá na contramão disso é considerado tabu.
O Brasil é um país historicamente conservador, e no que se diz respeito à pautas como o da educação sexual nas escolas, observamos que não há essa preocupação em preparar os jovens para práticas sexuais seguras, ainda mais quando se trata de jovens LGBTs. De acordo com o médico entrevistado para esse artigo, o Dr. Eliziário Siqueira, “quando se leva informações sobre sexualidade, evita-se a violência sexual, transmissão de Doenças sexualmente transmissíveis (DTSs), gravidez indesejada e o bullying que os jovens LGBTs sofrem na escola, porque com informação se dimuniu o preconceito e abre-se caminho para a autoafirmação também”.
A falta de informação sexual para o grupo de mulheres cis lésbicas e bisssexuais é visível até mesmo dentro do próprio meio da medicina, pois essas mulheres quando vão em busca de informações e condutas médicas em uma consulta ginecológica, voltam na maioria das vezes de mãos vazias e sem saber o que fazer para terem uma relação sexual segura. “Embora a medicina possua um estudo científico próprio, ela ainda é um resumo da nossa sociedade, então dentro dessa área também não se fala muito da população LGBT, não se tem tantas informações e, por isso, muita coisa passa despercebida”. Isso faz com que muitas pessoas acreditem no mito de que uma relação sexual que envolve duas vaginas não possui os mesmos riscos que as relações heterossexuais quanto às DSTs.
O que não é verdade, pois mulheres cis que se relacionam sexualmente com outras mulheres cis também estão sujeitas a contrair essas doenças. De acordo com o Dr Eliziário, dentre as DSTs, a AIDS é uma doença cujos registros dentro desse grupo não há. No entanto, é preciso estar atento às outras doenças, como o HPV, a gonorreia e a sífilis. “Existem várias doenças sexuais as quais essas mulheres estão sujeitas, as mais conhecidas são o HPV, que se manifesta com um verruga e se transmite com o contato mucosa com mucosa, por isso a importância de se colher papanicolaou mesmo não tendo relação sexual com penetração, tendo em vista que essa doença pode gerar um câncer no colo do útero. Temos também a gonorreia, que é quando se tem um corrimento anormal, e a úlcera, que pode ser uma sífilis.” afirma o especialista Dr. Eliziário.
A grande questão é que não existem métodos específicos de proteção para o sexo sem penetração deum pênis, então essas mulheres devem se prevenir dialogando com a parceira sexual, utilizando técnicas improvisadas, observando a vulva e evitando ter relações sexuais quando uma das parceiras está menstruada. Nesse sentido, o entrevistado Dr. Eliziário acrescenta que: “Como não temos métodos 100% preventivos, o que a gente indica no sexo oral é o uso da caminha masculina cortada em forma de retângulo. Além disso, o uso de camisinha nos objetos sexuais utilizados e a observação da vulva para checar se há a presença de verrugas ou anormalidades de corrimentos, ou seja, corrimentos que coçam ou possuem mau cheiro.”
Por uma ginecologia sem tabus
Nos últimos anos, o mundo tem evoluído e se aproximado das pautas de gênero e sexualidade que a comunidade LGBTQIA+ tem trazido. No Brasil, vemos cada vez mais novelas da rede globo trazendo personagens LGBTQIA+s e questões desse grupo, que é tão massacrado no nosso país. Um país que de um lado possui umas das maiores e mais famosas paradas LGBTQIA+ do mundo, que é a de São Paulo, e do outro, está entre os países que mais mata LGBTQIA+s no ranking mundial.
O que nós pedimos é uma visibilidade estrutural e institucional, ou seja, que esse grupo esteja cada vez mais representado dentro de espaços públicos e privados deste país, para que haja maiores iniciativas políticas brasileiras que pensem na comunidade LGBTQIA+. É sobre uma visibilidade que nos ampare e repare física, fisiológica, financeira, emocional e psicologicamente, isto é, uma visibilidade que coloque esse grupo no mesmo patamar de vida que pessoas cis e heterosseuxais.
No Brasil, por exemplo, vemos que em virtude da violência contra a população travesti e transexual, a expectativa de vida desse grupo é de 35 anos, enquanto a expectativa de vida geral do brasileiro é de 75. Além disso, segundo um levantamento feito pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% da população trans tem a prostituição como única fonte de renda e de possibilidade de subsistência. Isso prova, que as condições de trabalho para esse grupo em sua maioria, não são dignas e não dão acesso aos direitos humanos básicos: o direito à vida, o direito à alimentação, o direito à moradia, o direito à saúde e à educação.
O que nós pedimos, assim como o Dr. Eliziário Siqueira, ginecologista homossexual casado com o Ricardo e pai do Neto e da Olga, é que: “quando uma mulher se sentar na frente de um ginecologista ou de uma ginecologista para uma consulta, que ela seja vista para além do olhar padrão heteronormativo das relações sexuais, ou seja, que se pense na possibilidade daquela mulher ser lésbica ou bissexual”.
Referências bibliográficas
BERTHO, Helena. Lésbicas e DSTs: manual da saúde sexual para mulheres que transam com mulheres, 2020. Link para a matéria: https://azmina.com.br/reportagens/saude-sexual-da-mulher-lesbica/
DIAS, Surenã. As 6 paradas LGBTs mais famosas do mundo, 2020. Link para a matéria: https://observatoriog.bol.uol.com.br/listas/as-6-paradas-lgbts-mais-famosas-do-mundo
ABRANTES, Talita. Brasil é o país mais perigoso para homossexuais, diz NYT, 2016. Link para a matéria: https://exame.com/brasil/brasil-e-o-pais-mais-perigoso-para-homossexuais-diz-nyt/
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