Neste artigo, entenderemos de que maneira o colonialismo português, no Brasil, deu origem ao sincretismo religioso presente nas religiões afro-brasileiras. Para tanto, compreenderemos imperialismo como a dominação de um território como política de expansão econômica, territorial e cultural, e o sincretismo como a mistura de religiões, cultos, doutrinas e/ou elementos culturais.
De acordo com os livros de histórias, o Brasil foi “descoberto” em 1500 – cabe explicar aqui que até o uso do termo descoberto para qualificar a invasão portuguesa em terras brasileiras, é resultado da narrativa contada pelo colonizador, logo, ao adotarmos uma visão decolonial[1], devemos olhar para a nossa história do jeito que ela não foi contada.
Nesse sentido, desde a invasão do Brasil, quando passou a ser colônia da coroa portuguesa, a cultura trazida pelos colonizadores foi sobreposta e imposta aos indígenas que aqui viviam. A imposição da cultura europeia no território brasileiro se deu, principalmente, através da influência da Igreja Católica, a qual num primeiro momento, se propôs a catequizar os povos indígenas, com o objetivo de “humanizá-los”.
Com a vinda forçada dos africanos, na condição de escravos, entre os séculos XVI e XIX, e com a compactuação da Igreja Católica com o sistema escravagista, a imposição do Catolicismo continuou sendo a via de “humanização” daqueles que eram vistos como inferiores. Sabemos que quando os africanos desembarcavam dos navios negreiros[2] eram imediatamente postos à venda, de modo que negros de uma mesma tribo ou etnia eram separados pelos seus compradores, a fim de evitar a organização de motins e revoltas.
Considerando que os povos africanos se organizavam em tribos, quando os escravizados eram separados de seus semelhantes, eles eram não só impossibilitados de se comunicarem com outros negros, como também eram muitas vezes impossibilitados de darem continuidade aos seus rituais próprios, uma vez que as práticas religiosas, no continente africano, sempre foram das mais variadas.
Desde a chegada dos negros escravizados em solo brasileiro, eles foram colocados numa posição de demonização[3], e consequentemente, a cultura, danças, músicas e religiões trazidas por eles foram demonizadas. O fato de caracterizar como “mau” tudo aquilo que remetia ao negro, somado à realidade de que o reino de Portugal era oficialmente católico, tornou as práticas religiosas africanas criminosas, por fugirem da religião oficial.
Sendo assim, para mascarar a continuidade e preservação das religiosidades e rituais africanos, os escravizados, aparentemente, cultuavam os santos católicos, isto porque os orixás e divindades africanas foram assimiladas aos santos da Igreja Católica, de modo que os senhores de engenho não viam práticas condenáveis. Logo, o ato de assimilar elementos de uma religião à outra faz surgir o que denominamos de sincretismo religioso. Contudo, devemos ressaltar que ao analisarmos o processo histórico descrito, tal sincretismo não foi adotado pelos negros de livre e espontânea vontade: essa assimilação ocorreu como estratégia de resistência à imposição da cultura dos colonizadores. Nesse sentido, muitas vezes, o termo sincretismo tem conotação negativa, mesmo que muitas vezes possa indicar uma mistura cultural consequente de um processo natural.
No entanto, embora o sincretismo religioso, que possibilitou a formação das religiões afro-brasileiras, seja símbolo de resistência, devemos considerar que a negligência dos senhores de engenho contribuiu para tal conquista. Inicialmente, os brancos viam os negros como “um animal sem alma” (BASTIDE, 1971, p.185), de forma que os senhores não necessariamente se imporatavam com a crença de seus escravos, o que importava eram os corpos e sua consequente produtividade. Além disso, os senhores consideravam que possibilitar aos escravizados momentos de música e dança era benéfico economicamente, pois assim evitava-se a tristeza e aumentava a produção. Por último, os fazendeiros tinham interesse em preservar certa divergência cultural entre os escravizados, para dificultar a união dos negros que podiam se revoltar contra os senhores.
No mais, se num primeiro momento o sincretismo foi símbolo de resistência para permitir as práticas das regiões afro, atualmente, o ódio ao negro, existente desde o princípio, é o que continua a perpetuar o racismo e a demonização das religiões afro-brasileiras. Essa discriminação se concretiza quando falamos da legitimação recente de tais religiões, que podemos abordar em outro artigo, assim como podemos, futuramente, demonstrar a importância dos terreiros de candomblé para o povo negro, que acolheu o samba de roda, a capoeira, e até deu origem à escolas de samba no Rio de Janeiro; e ainda abordar as festas populares, folclores e tradições. Para me despedir, cito aqui algumas religiões afro-brasileiras: Candomblé, Umbanda, Jurema Sagrada, Tambor de Mina, Xangô e Batuque.
[1]De acordo com Catherine Walsh a decolonialidade é uma teoria, um meio de denúncia e de luta a luta contínua contra as colonialidades impostas aos grupos subalternos;
[2]Navios negreiros ou navios tumbeiros é o nome dado aos navios que faziam o transporte (África - América) dos negros; tumbeiro que remete à tumba, porque grande parte dos africanos transportados morriam durante a travessia;
[3]Demonizar é dar caráter negativo a algo ou alguém;
Referências bibliográficas:
LAMAS, Rita Suriani - A formação das religiões afro-brasileiras: a interferência do sincretismo religioso; Sacrilegens (Revista Discente do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da UFJF), V. 16, n. 1, p. 222-232, jan-jun/2019.
FERRETTI, Sérgio E. - Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural; Universidade Federal do Maranhão – Brasil.
PRANDI, Reginaldo – As religiões afro-brasileiras e seus seguidores; Civitas – Revista de Ciências Sociais v. 3, nº 1, jun. 2003.
ROMAO, Tito Lívio Cruz Romão - Sincretismo religioso como estratégia de sobrevivência transnacional e translacional; Universidade Federal do Ceará, Fortaleza (CE).
MORAIS, Marcelo Alonso - O Sincretismo Religioso como Elemento Legitimador da Umbanda: Uma Breve Reflexão a Partir da Obra Casa Grande e Senzala; Revista Continentes (UFRRJ), ano 3, n.4, 2014, p. 180-200 (ISSN 2317-8825).
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