Quando o cinema aprendeu a falar (e ser ouvido)
De acordo com o dicionário, a palavra audiovisual pode ser definida como um meio de comunicação que utiliza de elementos visuais e sonoros, ou seja, é visto e ouvido ao mesmo tempo.
Na primeira exibição cinematográfica da história, a famosa “La Sortie de l'unsine Lumière à Lyon” (A saída da Fábrica Lumière em Lyon), que aconteceu no ano 1895 em Paris, feita pelos irmãos Lumière, o único som que podia ser ouvido, além dos ruídos do cinematógrafo[1], era do violinista, que mesmo solo demonstrou como era possível não só deter o interesse, mas emocionar ao juntar imagens e som. Foi depois desse pontapé dado pelos irmãos Lumiére que nasceu não só o cinema, como também a primeira era cinematográfica: a era do cinema mudo.
Apesar desse nome, os filmes produzidos nessa época só foram de fato mudos por um curto período de tempo (meados da década de 1890 até o final da década de 1920) pois, com a sua popularização, tornou-se comum a utilização de músicos solos (na maioria das vezes um pianista) ou, nas grandes cidades, uma pequena orquestra para tocar música ao vivo durante a exibição do filme. Muitas vezes, as exibições também contavam com pessoas que narravam os cartões com as legendas e faziam dublagens para o público. Embora na época ainda não existisse a tecnologia que sincronizava som e imagem nos filmes, a música já era vista como parte indispensável da experiência cinematográfica.
Um dos mais conhecidos pioneiros nessa transição do cinema mudo para o falado foi o ator, roteirista e cineasta inglês Charles Chaplin. Chaplin foi responsável por obras como O Garoto (1921), Luzes da Cidade (1931), O Grande Ditador (1936) e Tempos Modernos (1940). Suas primeiras obras contavam com apenas sons produzidos ao vivo, porém, com a chegada do inovador Vitaphone[2], em 1915, áudio e visual passaram a ser sincronizados dando início à era do cinema falado.
A partir de 1927, começou a transição do sistema Vitaphone de disco para o Movietone[3]. O crescimento de exibições de filmes nos cinemas levou à necessidade de aprimorar os equipamentos utilizados, já que o objetivo era aumentar o alcance do volume do som, diminuindo ruídos. No passar dos anos, foram desenvolvidas novas tecnologias como: o som mono (ou monoaural) nos anos 30, o som surround nos anos 40 e o som magnético (uma evolução do surround) nas décadas seguintes. Mas foi em 1991 que a Dolby (que há anos já investia na melhoria do som para o cinema) desenvolveu o Dolby Digital, que consiste em um sistema de redução de dados e de formatação que possibilita o seu registro direto na película do filme com qualidade.
As Divisões do Som
Quando pensamos em som e cinema, provavelmente a primeira coisa que nos vem à cabeça são as músicas que ouvimos em nossos filmes favoritos. Isso se deve, em grande parte, às trilhas sonoras e musicais (não, elas não são a mesma coisa).
A Trilha Sonora, como o nome já diz, é responsável por toda a parte sonora de um filme que, de maneira geral, vai das falas de personagens, passando pelos efeitos sonoros, até a trilha instrumental (score) e a trilha musical (soundtrack).
A trilha musical é apenas um dos componentes da trilha sonora de um filme. Ela é composta por faixas musicais, podendo ser exclusivamente feitas para o filme (como o álbum ‘Black Panther: The Album', produzido por Kendrick Lamar para o filme Pantera Negra) ou apenas para serem utilizadas na obra (como a versão de “Hurt” de Johnny Cash, usada no filme Logan), mediante o pagamento de um percentual sobre o orçamento, que considera o tipo e o tempo de uso da música na obra.
Já os efeitos sonoros tem o objetivo de criar a ambientação das cenas, trazendo sons que geralmente nos passam despercebidos, mas que notamos na sua ausência. Grande parte dos sons que ouvimos em filmes são feitos por equipes de Sonoplastia (ou Foley), que são responsáveis pelo processo de gravação, criação, manipulação e produção de elementos de áudio e efeitos sonoros. Apesar de muitas vezes se utilizar de elementos físicos para reproduzir o som (como usar sapatos para replicar o som de passos), o avanço da tecnologia já proporciona mesas de som de alta qualidade e definição, que possuem os mais diversos efeitos sonoros totalmente digitalizados, o que é muito útil em filmes de ficção científica, por exemplo, que exigem muitas vezes sons que não “existem” na nossa realidade.
Trilhas de Cinema e Nostalgia
Ennio Morricone (Kill Bill, Era Uma Vez No Oeste, Cinema Paradiso), Wendy Carlos (Laranja Mecânica e O Iluminado), Michael Giacchino (Up: Altas Aventuras e Ratatouille), Hildur Guðnadóttir (Coringa e Sicario) e Hans Zimmer (Interestelar, Duna e A Origem) são alguns dos principais nomes entre os compositores de score, a música instrumental para cinema.
É nessa parte da produção cinematográfica que certamente sempre lembramos do som, afinal, são essas obras que nos fazem associar o que ouvimos com aquilo que assistimos. Alguns desses sons acabam se tornando referências sonoras em nossas vidas, como por exemplo, a faixa que se tornou o tema principal do clássico Tubarão (1975) criada pelo compositor John Williams. Depois do sucesso do longa, o tema musical, que tocava em todo momento de perigo em que o Tubarão estava próximo, se tornou uma referência ao falar sobre tubarões em geral. É inclusive esse o som que alguns de nós fomos ensinados, quando crianças, para quando queremos imitar um tubarão. A música de John Williams se espalhou e atingiu até mesmo quem nunca havia assistido o filme, e essa foi apenas uma de suas composições que fez parte de grandes filmes. Entre outras de suas obras podemos destacar os temas musicais de: Indiana Jones (1980), E.T Extraterrestre (1982), Jurassic Park (1993), Harry Potter (2001), mas a mais conhecida de suas obras atualmente é a trilha feita para os filmes de Star Wars (1977).
Podemos concordar que o som é parte essencial do cinema, sendo responsável não só por transmitir o que é dito, mas por nos acompanhar e conduzir nossas emoções ao longo do filme e, por fim, garantir que nossas experiências cinematográficas fiquem guardadas conosco para sempre, marcadas em nossa memória.
[1] Equipamento de fotografia movido a manivela que permite captar imagens, revelar o filme e projetá-lo rapidamente de modo a produzir a ilusão de cenas em movimento. Foi desenvolvido pelos irmãos franceses Auguste e Louis Lumière.
[2] A tecnologia Vitaphone foi projetada para trazer som ao mundo do cinema. Consistia em um disco que deveria ser reproduzido como um projetor exibia um filme, adicionando som à experiência.
[3] Movietone é um método óptico de gravação de som em filme que garante a sincronização entre som e imagem. Isso é possível gravando o som como uma faixa óptica de densidade variável na mesma tira de filme que grava as imagens.
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