A música é, sem sombra de dúvidas, uma das principais expressões culturais dos dias atuais. Com uma quantidade quase infinita de canções, artistas e estilos, é quase impossível encontrar alguém que não se identifique ou se interesse por ela. Particularmente, sempre fui apaixonado por música, sendo que tenho mais de 63 horas e 33 minutos apenas na minha playlist principal no Spotify. Dentre essas várias horas há diversos piseiros, sertanejos, raps, pagodes, sambas, forrós, MPB, pop internacional, reggaeton, cumbias e, mais recentemente, dezenas de músicas de trap.
Não sei se por ignorância ou desconhecimento, acabei conhecendo cantores do trap nacional apenas na segunda metade de 2021, e sinto que minha relação com esse estilo musical foi como um amor à primeira vista. Dessa forma – sabendo que não sou o único que se encantou com o trap nos últimos tempos –, decidi pesquisar sobre esse estilo musical que tem encantado o Brasil e contar um pouco mais para vocês sobre o que descobri.
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que o trap teve sua origem nos Estados Unidos, no final dos anos de 1990 e no começo dos anos 2000, sendo DJ Paul, um rapper, DJ, produtor musical e compositor um dos seus “pais” no sul do país. Em torno de 2005, o gênero chamou novamente a atenção quando o rapper Radric Davis lançou o primeiro álbum independente “Trap House” [1]. A influência dos estilos crunk e hip hop também é marcante no trap [2].
O termo “trap” significa “armadilha” em tradução literal, e foi amplamente utilizado pelos precursores do estilo musical para tratar de lugares marcados por alta criminalidade, golpes e violência, nos quais o gênero teve sua origem. Não à toa, a cidade de Atlanta, marcada por uma grande desigualdade econômica e por ser um ponto de distribuição de drogas em território estadunidense, tornou-se a capital do trap no país.
De modo a retratar essa realidade, os trappers costumavam – e costumam – tratar de violência, superação, drogas, gangues, direitos humanos, abusos de autoridades e repressão em geral. Ao mesmo tempo, cantores de trap têm tratado de temas ainda mais amplos e que impactam muitos jovens e adultos em todo o mundo, como o desprezo, a depressão, problemas familiares e, também, a busca por sonhos, por uma melhora na situação de parentes e por um enriquecimento material e imaterial.
Tal como ocorre no rap, portanto, questões sociais são amplamente expostas nas letras, o que talvez seja uma das principais características do gênero. No caso do trap, por sua vez, o uso de sintetizadores, melodias desalinhadas e onomatopeias – empregando arranjos da música eletrônica e deixando as músicas mais dançantes – fez com que o trap ganhasse vida própria e grande interesse dos jovens [3].
Enquanto, segundo Mateus Pereira Silveira, o rap é a “junção do ritmo com a poesia, conduzida por um flow que pode ser mais cadenciado ou rápido e que possui um conjunto mais melódico com a harmonização da parte lírica com a música”, o trap é mais frenético, agitado e, até mesmo, mais excêntrico, sendo como “uma combinação mais simples entre música, sons, expressões dos cantores e a presença dos sintetizadores, que constroem toda uma atmosfera mais dançante devido aos elementos eletrônicos”, como se “todos os desejos fossem ditos em um fluxo de consciência, em que os assuntos se misturam e às vezes ficam confusos” [4]. Em outras palavras, o trap é um subgênero do rap com características mais modernas, atuais, e que enfatiza a utilização de recursos tecnológicos para dar a suas músicas uma realidade bastante própria, com uma atmosfera mais dançante e, a meu ver, mais frenética.
O trap ficou efetivamente popular dentro e fora dos Estados Unidos em meados de 2012, quando DJs e produtores passaram a incluir distorções estranhas e arrojadas em suas obras. Esse fenômeno foi bastante repercutido na mídia, em grande parte por conta do viral Harlem Shake, de Diplo e Baauer, que elevou o nível do estilo trap para sempre [5]. Desde então, artistas como Travis Scott, Post Malone, Cardi B, DJ Snake e, mais recentemente, Lil Nas (com Old Town Road e INDUSTRY BABY) têm dominado o cenário do trap no mundo.
No Brasil, o trap parece ter ganhado força graças à juventude “escanteada” de algumas das principais cidades do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Fortaleza. Antes disso, porém, é importante destacar o papel de Filipe Ret, rapper carioca que inovou no cenário nacional ao utilizar o auto-tune – um programa que é utilizado para distorcer a voz dos cantores, deixando-a com características diferentes e aumentando o flow das músicas – com maestria, servindo de inspiração para artistas que surgiram nos anos seguintes [6]. Outro precursor das novas gerações do rap/trap no Brasil é o artista Hungria, originário de Brasília e que carrega o “hip hop” como parte de seu nome artístico. Para somar e contribuir com o rap/trap nacional atual, Hungria – juntamente com outros cantores de Brasília (como a Tribo da Periferia) –, ao retratar a sua realidade social e a sua busca por um futuro melhor, criou diversas músicas nas quais o chamado “grave automotivo”, um efeito sonoro que faz com que carros e outros objetos tremam em virtude das vibrações, encantou milhares de jovens no Brasil todo. Hungria, inclusive, já fazia sucesso na Europa, em países como Espanha e Portugal, antes de 2017 [7]. Rappers como Filipe Ret e Hungria influenciaram uma nova geração de artistas que vieram, por vezes, de outros estilos musicais e que hoje se consideram trappers com orgulho, tendo ganhado projeção nacional e, até mesmo, internacional nos últimos meses.
Poze do Rodo, por exemplo, é um artista carioca oriundo do funk e que parece ter ganhado no trap sua maior relevância. Com músicas como A Cara do Crime (Nós Incomoda), Sigo na Fé do Pai e Vida Louca, Poze chama a atenção por seu carisma e por seu jeito descontraído nas redes sociais. A sua relação com artistas do “rap das antigas”, porém, não sumiu, sendo que, recentemente, lançou a música Me Sinto Abençoado, em parceria com Filipe Ret. Neste exato momento em que escrevo o artigo – começo de abril de 2022 – Poze do Rodo está na Inglaterra, para a realização de shows.
Outro artista carioca que ganhou grande repercussão nos últimos tempos é MD Chefe. Antes conhecido pelo simpático apelido de MC Madruguinha, MD Chefe é originário das tradicionais batalhas de rap [8] e é detentor de um estilo e voz inconfundíveis, e parece ter grandes referências na origem do trap estadunidense, conforme é possível ver, por exemplo, com a sua canção RJ Mais Que Atlanta. Recentemente, seu sucesso gigantesco chamou a atenção da famosa empresa Lacoste, com a qual MD Chefe assinou um contrato milionário.
Assim como MD Chefe, o carioca Xamã, que ficou ainda mais conhecido com o lançamento de Malvadão 3, também tem ganhado grande repercussão e costuma inserir críticas sociais em todas as suas letras. Apenas a título de curiosidade, em várias de suas obras, o artista cobra os governantes pelo preço das passagens de ônibus. Também neste exato momento, Xamã está no exterior, em Angola, realizando shows.
Saindo do Rio de Janeiro, o cearense Matuê, lançou em setembro o álbum Máquina do Tempo e colocou seis músicas no Top 10 do Spotify Brasil. Devido ao seu grande sucesso, ele se apresentou no Lollapalooza de 2022 e deixou claro que os trappers brasileiros precisam ser originais e criativos: “A gente não precisa se adaptar a uma coisa da gringa para poder criar a nossa própria forma aqui no Brasil” [9].
Em São Paulo, o trap também está muito bem representado por jovens figuras como Teto, de apenas 20 anos, que parece aproveitar das referências sobre carros, focar em histórias de superação em suas músicas e aproveitar com maestria do seu flow único. Seu mais novo single Fim de Semana no Rio já atingiu mais de 10 milhões de visualizações em menos de 1 semana, e sua música Mustang Preto, de 2021, alcançou 46 milhões de visualizações [10].
Em Belo Horizonte, o trap também surge com força graças a artistas como Sidoka. Com músicas bastante exóticas – e com sons ou expressões que diversas vezes são difíceis de serem compreendidos –, Sidoka tem feito sucesso pela velocidade em que canta, por letras que transpiram autoestima e vontade de vencer e, sobretudo, por ser “um misto de deboche com ousadia” [11]. Realmente, Sidoka parece não se sentir mais mal (como deixa claro em sua música Não me sinto mal mais) e, nos últimos dias, publicou no Instagram um vídeo mostrando o carro que comprou para a sua mãe com o dinheiro que obteve graças ao trap.
Em conclusão, o trap é filho do rap e com ele não se confunde. Por outro lado, o rap e o trap não são excludentes ou antagônicos, mas servem de combustível para inovações e parcerias entre artistas mais experientes e outros mais jovens. O trap é uma forma de luta contra a violência e a desigualdade, a fonte de inspiração para jovens que querem trilhar suas histórias e lutar por seus sonhos e, pelo que tudo indica, também é a prova de que o talento dos jovens brasileiros pode levá-los a desbravar lugares ainda mais distantes, seja em Angola, na Espanha, na Inglaterra ou em qualquer outro lugar.
Referências bibliográficas
[1] Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/onde-surgiu-o-trap-conheca-os-pioneiros-do-som-derivado-do-rap-1.2989283. Último acesso em 03.04.2022.
[2] Disponível em: https://monkeybuzz.com.br/materias/depois-da-febre-do-harlem-shake-conheca-o-trap/. Último acesso em 03.04.2022.
[3] Disponível em: https://www.letras.mus.br/blog/o-que-e-trap/. Último acesso em 03.04.2022.
[4] Idem.
[5] Disponível em: https://monkeybuzz.com.br/materias/depois-da-febre-do-harlem-shake-conheca-o-trap/. Último acesso em 03.04.2022.
[6] Vide, por exemplo, a entrevista ao canal do Igão & Mitico disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BOAtpliaUsg. Último acesso em 03.04.2022.
[7] Vide, por exemplo, a entrevista ao The Noite disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RjZ2HpxkV-8. Último acesso em 03.04.2022.
[8] Vide, por exemplo, a batalha disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kgen7rjBkFI. Último acesso em 03.04.2022.
[9] Disponível em: https://vogue.globo.com/celebridade/noticia/2020/10/depois-de-lancar-seu-primeiro-album-de-estudio-matue-fala-sobre-inspiracoes-e-formula-do-sucesso-gente-nao-precisa-se-adaptar-uma-coisa-da-gringa-para-poder-criar-nossa-propria-forma-aqui-no-brasil.html. Último acesso em 03.04.2022.
[10] Disponível em: https://www.zonasuburbana.com.br/teto-libera-fim-de-semana-no-rio-acompanhado-de-um-clipe/. Último acesso em 03.04.2022.
[11] Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2020/12/conheca-sidoka-o-rapper-sommelier-que-une-deboche-e-ousadia/. Último acesso em 03.04.2022.
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