Através do episódio “Se aceita como você é, quem quer que você seja” da série Modern Love
**Sobre a autora: Ester é estudante de Serviço Social na Unifesp no Campus da Baixada Santista, mora em Santos, mas nasceu e cresceu no interior de SP, numa cidade chamada Auriflama, perto da divisa com o Mato Grosso do Sul. Ela ama escrever, maratonar séries, tomar café assim que acorda, dormir com barulho de chuva, cantar no chuveiro e passar bastante tempo com as pessoas que mais ama! Ester se considera uma mulher forte e sensível, que erra todos os dias, mas que nunca desiste de ser melhor no dia seguinte.
O que é a bipolaridade?
Você já deve ter escutado frases que remetem ao transtorno bipolar como uma mudança repentina de humor, certo? Não obstante, é preciso romper com estereótipos desse tipo, considerando que eles dificultam ainda mais o processo de aceitação e autoaceitação no que se refere às pessoas bipolares na sociedade brasileira.
Dessa forma, antes de apresentarmos a resenha do episódio 3 “Se aceita como você é, quem quer que você seja”, da primeira temporada da série Modern Love da Amazon Prime Video, é preciso compreender que a bipolaridade “é uma condição psiquiátrica relativamente frequente, com prevalência na população entre 1% e 2%. É caracterizado por episódios de alteração do humor de difícil controle – depressão ou mania (bipolar I) ou depressão e hipomania (bipolar II).” (ALDA, 1999, p. 1). E o que seria depressão, mania e hipomania?
Segundo Porto (199, p. 6), “A depressão inclui não apenas alterações do humor (tristeza, irritabilidade, falta da capacidade de sentir prazer, apatia), mas também uma gama de outros aspectos, incluindo alterações cognitivas, psicomotoras e vegetativas (sono, apetite).”
No que se refere à mania, ela
“[...] afeta o humor e as funções vegetativas, como sono, cognição, psicomotricidade e nível de energia. Em um episódio maníaco clássico, o humor é expansivo ou eufórico, diminui a necessidade de sono, ocorre aumento da energia, de atividades dirigidas a objetivos (por exemplo, o paciente inicia vários projetos ao mesmo tempo), de atividades prazerosas, da libido, além de inquietação e até mesmo agitação psicomotora. O pensamento torna-se mais rápido, podendo evoluir para a fuga de ideias. O discurso é caracterizado por prolixidade, pressão para falar e tangencialidade. As ideias costumam ser de grandeza, podendo ser delirantes. Geralmente a crítica está prejudicada e os ajuizamentos emitidos se afastam da realidade do paciente.” (MORENO; MORENO; RATZKE. 2005, p. 39-48).
Já a hipomania, “é um estado semelhante à mania, porém mais leve [...] O prejuízo ao paciente não é tão intenso quanto o da mania.” (MORENO; MORENO; RATZKE).
Sendo assim, podemos observar que esse transtorno é muito mais complexo do que os estereótipos reproduzidos pelo senso comum[1].
“Se aceita como você é, quem quer que você seja”
Como supracitado, A história a qual contaremos nesse artigo retrata o episódio 3, “Me Aceita como Eu Sou, Quem Quer Que Eu Seja”, da série da Amazon Prime, Modern Love, que conta a vida de Lexi, personagem interpretada pela atriz Anne Hathaway. Mas quem seria Lexi? Pois bem, a personagem começa respondendo a esse questionamento com um relato da sua ida ao mercado para comprar pêssego. Uma ida ao mercado é algo comum da vida do ser social, mas Lexi está tão feliz naquele momento que é como se fosse um musical, e a série faz questão de fazer essa analogia. Para isso, Lexi está usando um vestido de lantejoulas, e sobre ele um roupão de alta costura, no fundo, a música que toca é acompanhada de sua dança alegre. Portanto, toda essa performance leva o telespectador a entender o quão intensa a personagem está naquele momento.
Mas o que isso tem a ver com a bipolaridade? Pois bem, ao desenvolver da série, podemos observar a personagem em dois momentos. Um deles é caracterizado por um nível muito alto de energia, acompanhado de insônia, proatividade e ânimo. Tudo isso em grande intensidade. Não obstante, quando ela menos espera um sentimento de tristeza toma conta do seu corpo, “E é aqui que o problema começa. Eu não sei qual é o gatilho. Açúcar no sangue? Químico? Psicológico? Quem sabe? Mas vem.” Nesse momento, a personagem fica por tanto tempo em sua cama ao ponto dos pêssegos na fruteira estragarem e ela esquecer do encontro que tinha marcado com um homem que ela conheceu no mercado naquele dia. Até que, depois de um tempo… “Uma manhã perfeita. Pássaros cantando na minha janela, cheirinho de grama cortada [...].” E assim o sol que estava escondido há dias entra e ilumina o seu quarto, o que a faz lembrar do homem que esqueceu por aquele tempo.
Dessa maneira, Lexi extremamente empolgada liga às 6h30min para Jeff e marca um encontro com ele para o mesmo dia. “Não sei você, mas quando eu estou com esse tipo de humor, me sinto na vinheta de abertura da minha própria série de TV.” O musical, a dança e as roupas esplêndidas voltam, é como se Lexi nunca tivesse passado dias tristes isolada em sua cama. Mas ela estava, e mesmo depois de se animar com o encontro com Jeff, a ponto de limpar toda sua casa, vestir um lindo roupão branco enquanto faz seu cabelo e assistir a uma apresentação de Rita Hayworth na TV, a mesma tristeza volta. Ela derruba o rímel que ia passar em seus cílios, olhando para seu reflexo no espelho sabendo que o que ela mais poderia temer está prestes a acontecer.
Por fim, quando Lexi conta essa história o seu relato vem um momento onde ela está estável, pois se encontra em tratamento. Sim, apesar da bipolaridade ainda não ter cura, uma pessoa com esse transtorno pode levar uma vida comum, uma vida que gera menos sofrimento.
Portanto, cabe aqui dizer que essa questão é muito mais complexa do que um episódio de 30 minutos pode nos fazer entender. Entretanto, essa representatividade traz um diálogo importante para o telespectador, pois possibilita a compreensão do sofrimento que uma pessoa com transtorno bipolar pode ter. E tudo isso de uma maneira que nos gera sensibilidade e empatia.
[1] É um tipo de conhecimento popular, adquirido pela observação e pela repetição, que não foi testado metodicamente.
Referências bibliográficas
Modern love. Amazon Prime Video. ano, 1° temporada, 3° episódio.
ALDA. Transtorno bipolar. 1999, p. 1.
MORENO; MORENO; RATZKE. Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar. 2005, p. 39-48.
PORTO. Conceito e diagnóstico. 1999. p. 6.
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