Claudia Andujar é uma fotógrafa e ativista política. Nascida na Suíça em 1931, passou grande parte da sua infância na Hungria, mas precisou retornar ao seu país de origem durante a adolescência devido à perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial; seu pai e grande parte da sua família eram judeus e foram vítimas do Holocausto, algo que marcou Claudia e influenciou seu trabalho posteriormente, como é possivel perceber neste trecho do livro "Imagens da Fotografia Brasileira":
Sem dúvida minha fotografia é marcada pelo meu passado. Um passado de guerra, um passado de minorias. Isso é algo que não só me preocupa, mas me perturba. É parte da minha vida. Me interesso muito pela questão da justiça e das minorias que estão tentando se afirmar no mundo, mas se deparam sempre com um dominador que procura apará-las. (Claudia Andujar, IN: PERSICHETTI, 2000, p. 15)
Após a temporada na Suíça, Claudia se mudou para os Estados Unidos e, em 1955, emigrou para o Brasil, onde começou sua carreira como fotógrafa.
O grande destaque do trabalho de Claudia Andujar - e o motivo pelo qual escolhi falar sobre ela nessa edição da revista - foram as fotografias do povo indígena Yanomami, que, além de se destacarem pela originalidade técnica, também foram muito importantes para a luta da demarcação das terras desse povo. Foi a partir da década de 1960 que Claudia começou a se aproximar mais dos Yanomami, passando longas temporadas no Pará e no Amazonas durante a década de 1970, que foram possíveis graças a bolsas da Fundação Guggenheim e da Fapesp. Durante suas visitas, Claudia conseguiu estabelecer laços com os integrantes da aldeia, algo que permitiu que suas fotos ultrapassassem uma barreira de somente representação e atingissem um patamar subjetivo muito profundo. O antropólogo e fotógrafo Milton Guran afirma que
[...] a quase totalidade das documentações fotográficas de índios cai inevitavelmente numa espécie de colonialismo visual: diz mais sobre a cultura dos seus autores do que sobre a dos indivíduos fotografados. [...] Claudia, porém, maneja com maestria a técnica e a linguagem fotográfica, pondo-os a serviço de um olhar que só ela conseguiu ter, expressão de uma simbiose perfeita e acabada com o povo e a cultura Yanomami, e consigo própria. [...]. O que faz suas fotos únicas é seu olhar único, expressão de uma vivência única, de uma dedicação única, vida e trabalho juntos num exercício de amor total” (GURAN, 1998 apud MAUAD, 2012, p. 137-138)
Devido a essa aproximação, Claudia pôde acompanhar os aspectos positivos da cultura Yanomami, como os rituais xamânicos e expressões próprias de sua mitologia. Todavia, ela também viu como esse povo estava sofrendo com os ataques advindos do garimpo e a construção de rodovias na região, algo que gerava conflitos, disseminava doenças e causou a morte de muitos indígenas. Na época, cerca de 14% da população Yanomami foi vítima das enfermidades trazidas pelos garimpeiros, de acordo com o Ministério da Saúde[1].
Dessa forma, Claudia começou a se engajar politicamente na luta em prol dos povos Yanomami, com uma participação ativa na "Comissão pela Criação do Parque Yanomami”[2] (CCPY), na qual ela foi inclusive coordenadora em 1980. Após a redemocratização do Brasil, a demarcação da reserva indígena finalmente foi reconhecida em 1992. É inegável a importância da atuação de Claudia e de seu trabalho fotográfico para o movimento, o que mostra o grande potencial político que a arte pode alcançar. Nesse caso, suas fotografias obtiveram alcance internacional, que além de disseminar a rica cultura dos povos Yanomami, ajudou a trazer atenção para a urgência da demarcação de terras indígenas no Brasil.
Apesar de todo esse esforço e mobilização, os povos indígenas que residem no Brasil ainda se encontram em uma condição de alta vulnerabilidade. Atualmente, devido ao afrouxamento das medidas de proteção aos territórios indígenas e o incentivo a atividades extrativistas pelo atual governo, o garimpo na região da reserva Yanomami se intensificou. Ataques, poluição dos rios, destruição, disseminação do vírus da COVID-19… Assim como relata Dário Kopenawa Yanomami: “A estratégia de Bolsonaro é a mesma de governos passados, é a lógica do pensamento do europeu que chegou, tomou a terra, extraiu minérios. Isso infelizmente continua” (EL PAÍS, 2021). A sensação é que a mesma situação que motivou a luta de Claudia Andujar no século passado se repete.
[1]El País, 2021
[2] De acordo com seu site oficial, a Comissão Pró-Yanomami (CCPY), antiga Comissão pela Criação do Parque Yanomami, é uma ONG que luta pela defesa dos direitos territoriais, civis e culturais dos Yanomami.
Referências bibliográficas:
BECHEGA, Hugo. A comunidade Yanomami refém de tiros e bombas de garimpeiros há mais de um mês. BBC. Junho, 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57619851
Claudia Andujar: a fotógrafa que revelou um povo. REVISTA TRIP. Disponível em: https://revistatrip.uol.com.br/homenageados/2013/claudia-andujar
Claudia Andujar: a luta Yanomami. IMS. Disponível em:
https://ims.com.br/exposicao/claudia-andujar-a-luta-yanomami-ims-paulista/
Quem somos? COMISSÃO PRO YANOMAMI. Disponível em:
http://www.proyanomami.org.br/v0904/index.asp?pag=htm&url=http://www.proyanom ami.org.br/quem.htm
HOFMEISTER, Naira; PAPINI, Pedro. Mineração e garimpo disputam área maior do que a Bélgica dentro da terra indígena Yanomami. EL PAÍS. Junho, 2021. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-06-22/mineracao-e-garimpo-disputam-area-maio r-do-que-a-belgica-dentro-da-terra-indigena-yanomami.html
MAUAD, Ana Maria. Imagens possíveis: fotografia e memória em Claudia Andujar. Revista do Programa de Pós-Graduação de Comunicação da UFRJ. Rio de Janeiro. 2012. v. 15 n. 1 p. 124-146. Disponível em: revistaecopos.eco.ufrj.br
PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia Brasileira, São Paulo: Estação Liberdade/Ed. SENAC, 2000.
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